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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fome no Brasil não é fruto da covid-19, mas das decisões do governo federal

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

23/05/2021 08h50

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O aumento da fome, nos últimos meses, entre milhões de famílias brasileiras está diretamente relacionado à redução no valor do auxílio emergencial e à interrupção de seu pagamento por 96 dias por parte do governo federal.

Enquanto o custo médio da cesta básica de alimentos aumentou em 15 das 17 capitais em abril, segundo levantamento mensal do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o auxílio foi retomado com um piso muito menor que antes. Os R$ 150 compram, hoje, menos de 25% da cesta básica em Florianópolis, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Na primeira onda da pandemia, o governo Jair Bolsonaro propôs um auxílio de apenas R$ 200, mas o Congresso Nacional forçou o aumento do valor, que passou a ser de R$ 600/R$ 1200 por domicílio. No segundo semestre, o benefício foi reduzido para R$ 300/R$ 600 por família.

Com essa redução, a fome já se aconchegou em muitos lares: 9% da população para ser mais exato, a maior taxa desde 2004. De acordo com pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional foram 19,1 milhões que passaram fome em um universo de 116,8 milhões que conviveram que não tiveram acesso pleno e permanente à comida.

E mesmo com os alertas de epidemiologistas de que haveria uma nova e grave onda de contágio, o governo federal interrompeu o pagamento em 31 de dezembro, retomando-o apenas em 6 de abril, após um hiato de 96 dias. Considerando que o levantamento foi feito em dezembro, o número de famintos provavelmente está subdimensionado.

Na retomada, o benefício passou a ser pago em parcelas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 mensais por domicílio.

A cesta básica mais cara, segundo dados divulgados este mês pelo Dieese, foi a de Florianópolis (R$ 634,53), seguida pelas de São Paulo (R$ 632,61), Porto Alegre (R$ 626,11) e Rio de Janeiro (R$ 622,04). Entre as cidades do Norte e Nordeste, a cesta com menor custo foi a de Salvador (R$ 457,56). Considerando o piso de R$ 150, isso representa 32,8% da cesta.

Nos quatro meses de 2021, as capitais com as maiores altas na cesta básica foram: Curitiba (8%), Natal (4,24%), Aracaju (3,64%), João Pessoa (3,13%) e Florianópolis (3,08%). Vale lembrar que o povo, além de comida e água, também paga aluguel, compra remédios, usa transporte público, tem gastos com celular.

A aprovação a Bolsonaro, que chegou a 37% em agosto do ano passado, passou a 31% em janeiro, 20 dias após seu governo suspender o auxílio emergencial, atingiu 24%, o menor valor de sua gestão, na última pesquisa Datafolha. Segundo o instituto, 55% das famílias que ganham até R$ 2.200 não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum em 2022. Entre os desempregados, 14,4 milhões de pessoas de acordo com a PNAD Contínua do IBGE, a aprovação do presidente é de apenas 16%.

Isso ajuda a explicar a razão dele estar realizando viagens pela região Nordeste, tentando convencer a população de que não tem responsabilidade pelo que está acontecendo na economia, apesar das ações e omissões de seu governo demonstrarem o contrário.

"Quero dizer a todos do Maranhão aqui que perderam seus empregos, não foi obra do governo federal. Quem fechou o comércio, obrigou vocês a ficar em casa e destruiu milhares de empregos foi o governador do seu estado", afirmou, nesta sexta (21), em evento no município de Açailândia.

Ele se referia às decisões de restringir tanto a circulação de pessoas quanto o funcionamento do comércio adotados pelo governador Flávio Dino, chamado por Bolsonaro de "ditador". O Maranhão foi o primeiro a baixar um bloqueio total, o chamado lockdown, em maio do ano passado. E é o estado com menor taxa de mortes por covid por 100 mil habitantes (110,7).

Preocupado que uma economia deprimida possa prejudicar suas chances de reeleição, Bolsonaro vem atacando medidas de restrição social desde o início da pandemia e ameaçando baixar um decreto para obrigar a reabertura imediata da economia. Em contrapartida, defende o contágio rápido da população como forma de fazer o vírus parar de circular, a chamada imunidade de rebanho.

O ataque de Bolsonaro ao uso de máscara e a promoção de aglomerações ajudaram a chancelar uma parcela da população que não desejava seguir as medidas de isolamento social, o que ajudou a prolongar desnecessariamente a pandemia. Ficamos em um constante abre e fecha da economia - o que é menos eficaz para salvar vidas e empregos do que os fechamentos duros e curtos adotados em países como a Nova Zelândia. Bolsonaro foi multado pela Vigilância Sanitária do Maranhão, nesta sexta, por não usar máscara e causar aglomeração em Açailândia.

Mas há uma coerência nas ações do governo. O ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, culpou, na CPI da Covid, a falta de uma legislação específica para autorizar a compra da vacina da Pfizer (o que atrasou a imunização de 8 milhões de pessoas), escondendo o fato que o governo Bolsonaro poderia ter proposto a qualquer momento ao Congresso Nacional. Tanto que a lei acabou sendo proposta e aprovada em uma semana em marco.

Da mesma forma, o governo cansou de dizer que a aprovação da retomada do auxílio dependia da aprovação da PEC Emergencial pelo Congresso Nacional. O que não conta é que a medida poderia ter sido aprovada rapidamente, pois era interesses dos parlamentares, se o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, não tivesse tentando enfiar "jabutis", como são chamadas as matérias que não têm relação com a proposta original. Como a aprovação de uma redução do valor mínimo que deve ir para a saúde e a educação públicas. Ou seja, tirar dos pobres, que dependem dos serviços do Estado, para dar aos paupérrimos.

A oposição e parte da base do governo no Congresso Nacional tentam, neste momento, aumentar o valor pago de auxílio emergencial. O governo, contudo, acena apenas com a extensão do benefício em valores insuficientes para uma família comer.

E dizendo-se preocupado com as contas públicas, cuja importância não se discute, acaba empurrando a fome dos outros com a barriga como prova de responsabilidade fiscal - e insensibilidade social.