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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para Bolsonaro de 2018, culpa do diesel caro era do presidente da República

EVARISTO SA/AFP
Imagem: EVARISTO SA/AFP

Colunista do UOL

09/05/2022 12h32

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Diante de mais um aumento no preço do diesel, Jair Bolsonaro convocou os caminhoneiros a se levantarem contra o governo. Foi direto e taxativo em um vídeo que viralizou nas redes sociais:

"Os caminhoneiros buscam soluções para esses problemas, que interessam aos 200 milhões de brasileiros. Não têm encontrado eco no Legislativo. Sobrou-lhes o Executivo, que teima a se omitir. Assim sendo, apenas a paralisação prevista poderá forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso."

Isso aconteceu no mês de maio, mas de 2018.

Ou seja, o Bolsonaro de quatro anos atrás apoiaria protestos contra o Bolsonaro de 2022 por conta do aumento no preço do diesel. Mas o Jair de hoje terceiriza a responsabilidade para a Petrobras, como se ele ainda não fosse presidente, mas candidato à Presidência.

Em 21 de maio de 2018, a Petrobras avisou que o preço médio do litro do diesel nas refinarias iria de R$ 2,3488 para R$ 2,3716, uma alta de 0,97%. Jair postou o vídeo com a declaração acima em suas redes na época desse anúncio.

Nesta segunda (9), a Petrobras informou que, a partir de amanhã, o litro do diesel passará de R$ 4,51 para R$ 4,91 nas refinarias, um reajuste de 8,87%.

Aumentos nos combustíveis preocupam Jair, não apenas pelo impacto inflacionário da alta no transporte de carga nos alimentos, mas porque isso atinge seu eleitorado.

Muitos caminhoneiros apoiaram Jair Bolsonaro em 2018 pelo comportamento do presidente diante da greve, há quatro anos, que parou o país. Ao mesmo tempo, o presidente vê motoristas de aplicativos e entregadores em motocicletas como eleitores em potencial.

Com isso, Bolsonaro vem lidando com as críticas pelos aumentos da mesma forma que lida com a maior parte das críticas a seu governo: terceirizando. Campeão olímpico na modalidade de Arremesso de Culpa à Distância, foge da responsabilidade como o diabo foge da cruz.

Na última quinta, ele pediu à Petrobras que reduzisse sua margem de lucro, considerando-a como um "absurdo" e "um estupro". Com informação privilegiada sobre o fato do novo aumento ser anunciado hoje, ele já tentava se proteger do impacto negativo.

O presidente poderia ter chamado ao longo de seu governo o Congresso Nacional para uma revisão sobre a questão espinhosa da política de preço do petróleo, atrelado ao dólar no país, mas não fez isso.

Consequentemente, enquanto o país se esfolava para bancar os constantes aumentos, acionistas tiveram ganhos recordes - a empresa teve lucro líquido de R$ 44,56 bilhões nos três primeiros meses deste ano. Inclusive o seu governo, uma vez que a União é a principal acionista da empresa. Entre o início de 2019 e março deste ano, a Petrobras já pagou à União R$ 447 bilhões, levando-se em conta, dividendos, impostos e royalties. As emendas parlamentares do orçamento secreto agradecem.

Sempre que caminhoneiros começavam a protestar contra seu governo por conta dos aumentos, Bolsonaro forçou a troca do presidente da empresa para mostrar que estava fazendo algo. Foi assim que o comando pulou de Roberto Castelo Branco, para o general Silva e Luna e, agora, José Ferreira Coelho.

Ao mesmo tempo, apostou num discurso de demonizar a empresa e defender a sua privatização. Em outubro do ano passado, basicamente sugeriu que o governo vendesse o controle da empresa porque não aguenta mais ser responsabilizado pelas altas nos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

"Aumentou a gasolina? Culpa do Bolsonaro! Eu já tenho vontade de privatizar a Petrobras, tenho vontade. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. Eu não posso, não é controlar, mas melhor direcionar o preço de combustível. Mas quando aumenta, a culpa é minha", afirmou.

Nenhuma palavra, claro, sobre o "Risco Bolsonaro", que ajuda a elevar o preço do dólar ao gerar instabilidade política e insegurança econômica no país ao ameaçar a República de golpe de Estado. Dólar mais alto aumenta a gasolina, o diesel, o gás de cozinha. E, consequentemente, os alimentos.

O presidente tem tanta inveja do Bolsonaro de 2018 que continua agindo como tal, como se presidente não fosse, apenas candidato. Tem o apoio do bolsonarismo-raiz, que defende que nunca deixaram Jair governar de fato. Agora, resta saber ser os caminhoneiros e entregadores, que levam o Brasil nas costas, vão cair nessa cascata.