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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsa Família turbinado de Bolsonaro é medida eleitoreira sem consistência

O ministro Paulo Guedes (Economia) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) articulam recursos para o novo Bolsa Família na tentativa de salvar popularidade - Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo
O ministro Paulo Guedes (Economia) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) articulam recursos para o novo Bolsa Família na tentativa de salvar popularidade Imagem: Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

06/08/2021 13h13

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a semana se queixando, como se fosse vítima de injustiças inventadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entre outras instâncias. Nessa história criada por Jair, ele seria o heroi que salvaria o país de fraudes nas urnas eletrônicas, assim como almejou ser o mensageiro da milagrosa cloroquina. Mas a realidade é dura.

O voto impresso não voltará, a aposta na cloroquina e o boicote às vacinas foram fatais para milhares de brasileiros e derrubaram a aprovação de seu governo. Com as descobertas de corrupção em tempo real pela CPI da Covid, sua desaprovação está se consolidando. Empresários, economistas e intelectuais publicaram um manifesto com quase sete mil assinaturas em defesa da democracia. Setores que antes tinham certa tolerância às atitudes do presidente e consideravam seu comportamento agressivo "seu jeito" de ser, agora decidiram se posicionar contra Bolsonaro.

Ao ameaçar ultrapassar os limites das "quatro linhas da Constituição", o presidente mostra que está sem saída. Mas como recuperar a credibilidade e o apoio para garantir uma participação competitiva nas eleições de 2022?

O ministro Paulo Guedes (Economia) fez uma proposta: quer turbinar o Bolsa Família para mais de R$ 300 e rebatizar o programa de transferência de renda como "Auxílio Brasil", na esperança de que o impacto gerado às cerca de 14 milhões de famílias beneficiadas possa se refletir em popularidade. Seria uma maneira de Bolsonaro aumentar sua base para disputar o pleito no ano que vem. O aumento no Bolsa Família é necessário e urgente. Há milhões de brasileiros desamparados, desempregados e em extrema pobreza, situação agravada durante a pandemia.

Mas há entraves para o impacto esperado pelo governo. O primeiro é que Bolsonaro, desde os tempos de deputado federal, critica o programa Bolsa Família dizendo que seria uma maneira de comprar votos, os "eleitores de cabresto do PT", como declarou na Câmara mais de uma vez. Na pré-campanha presidencial em 2017, em Barretos (SP), disse que "para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto." Quando se tornou candidato de fato, em 2018, amenizou o discurso e garantiu não acabar com o Bolsa Família.

Ocupando o Palácio do Planalto, ele resistiu ao auxílio emergencial na pandemia. A Câmara aprovou o benefício de R$ 600 e isso impactou positivamente na aprovação do governo, em 2020. Porém, com o comportamento negacionista e negligente do presidente, a população passou a perceber que as decisões com reflexo positivo não necessariamente estão coladas à imagem de Bolsonaro. É o que tem acontecido com o aumento da vacinação, por exemplo. A expectativa de melhora tem se descolado do presidente.

A mudança de nome de um programa exitoso e consolidado como é o Bolsa Família pode ser outro problema para o governo. Há um custo em mudar a nomenclatura do programa social, ligá-lo ao presidente e fomentar a confiança da população de que não será uma medida pontual e incerta. Pode funcionar, porque a vulnerabilidade a que milhões de brasileiros estão submetidos é muito grande. O recurso fará diferença real na vida de muita gente. Mas há um risco.

Por fim, existe um entrave econômico. Guedes não tem aptidão para políticas públicas sociais. Também não tem de onde tirar os recursos se não fizer um malabarismo fiscal. Sua ideia é usar o dinheiro dos precatórios por meio de uma PEC, que criaria um fundo fora do teto de gastos. É o mesmo que rolar a dívida do governo para ser paga mais adiante, um calote que prejudica estados e municípios. Não é estrutural e não é recomendável, como registrou a Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal, ao dizer que precatórios seriam gastos previsíveis que não justificariam a manobra fiscal.

Outra parte sairia da privatização, ou seja, um tiro único. Quando terminar o recurso, acabou a fonte. A terceira composição viria dos dividendos de estatais como a Petrobras, que teve lucro de R$ 42,85 bilhões no terceiro bimestre. Mas para isso foi preciso manter o valor do combustível alto, o que aumentou a inflação e se refletiu nos preços dos alimentos. Um ciclo que diminui o poder de compra do dinheiro do Bolsa Família.

Nada disso é fonte permanente. Assim, o governo não resolve o problema, tapa o buraco com material de qualidade ruim. Atua de forma conjuntural, visando as eleições. O "Auxílio Brasil" é, na verdade, seu auxílio eleição.