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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Derrota surge no horizonte e Bolsonaro tenta ganhar no grito

O presidente Jair Bolsonaro fala com apoiadores e jornalistas do lado de fora do Palácio do Planalto - Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro fala com apoiadores e jornalistas do lado de fora do Palácio do Planalto Imagem: Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

09/04/2021 14h03Atualizada em 11/04/2021 11h22

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O capitão reformado que só pensa naquilo - 2022 - e enxerga em cada esquina uma ameaça ao seu sonho de continuar na cadeira de presidente da República - sentiu o golpe. Sim, vai ter Comissão Parlamentar de Inquérito - a popular CPI - para investigar a gestão da pandemia pelo governo federal.

O ex-deputado federal, que sabe, como todos no Congresso, "como começa uma CPI, mas não como ela acaba", tenta revidar na retórica, ou, popularmente, ganhar no grito. Acusa o STF (Supremo Tribunal Federal) de ativismo, e, como é da lógica enviesada dele, pede que seja feita uma retaliação contra o próprio Tribunal, por meio de um impeachment de ministro da Corte.

É da natureza do negacionismo obscurantista tentar sempre minar as instituições, os pilares da democracia, por absoluta incompreensão do sistema de pesos e contrapesos, definidos em "O Espírito das Leis", de Montesquieu. O capitão desconhece o funcionamento da democracia, por alergia à leitura (sequer lê as cartas endereçadas a ele pelas lideranças produtivas do país, cobrando ações de proteção ao meio ambiente, como aconteceu ontem).

O capitão aprendeu a regra pueril e simplista segundo a qual a melhor defesa é o ataque. De tão simplório, acreditou nisso e saiu dando cotoveladas com meias palavras. Na ambiguidade da fala contra o ministro Luís Roberto Barroso, que leu a Constituição e autorizou o funcionamento da CPI que causa tanto embaraço ao capitão e seus prepostos, utilizando os pesos e contrapesos que dão equilíbrio à convivência entre os Poderes, para que o titular de um Poder não se adorne como ditador.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deslumbrado ocupante de uma cadeira da República, ainda que ostente o título de doutor em leis, comportou-se como um rábula, que toca de ouvido, diante do pleito dos colegas senadores que requereram a instalação da CPI, negando-lhes o direito de instalar a comissão.

A leitura atenta do regimento interno do Senado, amparado pela letra da Constituição, não dá ao doutor Pacheco a autoridade para avaliar conveniências. A posição dele, como presidente, é uma outorga de delegação, e não um título plenipotenciário.

Num servilismo que agora é marca daqueles que são comensais do poder liderado pelo capitão, o doutor Pacheco achou "por bem" que faltava oportunidade para a investigação de responsabilidade por atos - e omissões, desmandos e incompetência - que colaboraram decisivamente para matar milhares de pessoas no país. O vírus matou, armado pela omissão, fisiologismo, incompetência e vaidade daqueles que tinham responsabilidade de agir em favor da sociedade. Agiram contra ela.

O capitão e os seus sócios no desencadeamento da maior tragédia humanitária da história brasileira - são milhares, milhares, milhares de mortos diariamente que enlutam o país - queriam o escamoteio à verdade dos fatos. E a fala do doutor Pacheco, para se sentar em cima do requerimento dos senadores, é sobre conveniência do momento. O objetivo dele é sustentar a conveniência do capitão, que não quer ver descobertas pelas investigações as suas ordens desatinadas. E não quer ver exposta ao país a incúria sabuja de um general Pazuello, que se prestou a macular a imagem do Exército brasileiro, negando a ciência, apenas para frequentar palácios.

Fica a dúvida sobre a existência de acordo firmado entre o presidente do Senado pela defesa do capitão. A palavra acordo está na moda no Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem repetido muito que foi feito "acordo" para a manutenção do orçamento pródigo em emendas parlamentares, cuja legalidade é contestada. Mas Lira assegura, com o fio do bigode, que não colocaria em escrutínio essa questão, mantidos os valores como estão. Há um "acordo".

Tem-se a sensação de que há muitos acordos firmados por aí. Tem-se a impressão de que há acertos feitos que ferem a transparência exigida para a prática política republicana. Quem está fazendo acordo com quem, para que, com que benefícios? O que está em jogo aqui?

Qual terá sido o acordo feito entre o Congresso Nacional, por meio dos seus chefes recentemente empossados, com o capitão e seus prepostos, para que seja preciso recorrer ao Supremo Tribunal Nacional e garantir o cumprimento de regras que asseguram o direito das minorias em instalar uma CPI? Qual terá sido o acordo feito entre a Câmara dos Deputados e o capitão para garantir o dinheiro que falta na saúde, na educação, e assegurar campanhas vistosas de parlamentares que disputam a reeleição em 2022?

Enquanto só pensam naquilo - 2022 - deputados da turma de Lira, senadores da turma do doutor Pacheco e, claro, o capitão - acham que podem ganhar no grito, ao arrepio da lei, o direito de esconderem como desgovernam o país.

Vamos enterrar os nossos mortos, vamos tratar os nossos sequelados, vamos cobrar por vacinas, vamos cobrar por insumos e medicamentos, hospitais, leitos, e por respeito.

E, sim capitão, vamos querer saber como negou aos brasileiros a oportunidade de proteção contra a pandemia, como bloqueou o direito à vida. Não importam os acordos. Não vai ganhar no grito.