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Paulo Sampaio

Procura-se desesperadamente um "Eduardo Cunha"

"Que Deus tenha misericórdia desta nação", disse Eduardo Cunha, ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff; pouco tempo depois, ele foi preso - Ueslei Marcelino/Reuters
"Que Deus tenha misericórdia desta nação", disse Eduardo Cunha, ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff; pouco tempo depois, ele foi preso
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

28/05/2020 15h19

Os detratores do governo de Dilma Rousseff dirão sempre que ela sofreu impeachment por causa das famigeradas pedaladas fiscais. No pacote alegado para afastá-la, estava incluída também "a roubalheira do PT" nos dois mandatos de Lula. Mensalão, petrolão, tríplex, sítio...a lista de crimes atribuídos aos dois e ao partido é interminável.

Pedalada fiscal, grosso modo, é um atraso não previsto no pagamento de obrigações fiscais do governo, estratégia usada para dar a impressão de que as finanças estão sob controle. É o crime de responsabilidade que a oposição usou para justificar o pedido de impeachment da presidente. Ela deixou o governo em 2016.

Porém...

Sempre se soube que, sem a colaboração inestimável do presidente da Câmara dos Deputados à época, Eduardo Cunha, a destituição de Dilma Rousseff seria impraticável. "Que Deus tenha misericórdia desta nação", disse o deputado, ao votar pelo impeachment. Ele foi preso menos de dois meses depois, e mais tarde condenado a quinze anos de cadeia por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas.

Um ano antes, Cunha havia decidido acatar uma denúncia contra a presidente, quando o PT não deu garantias de que o apoiaria no Conselho de Ética da Câmara. Ele foi acusado de quebra de decoro parlamentar por manter contas secretas no exterior e de mentir sobre a existência delas em depoimento à CPI da Petrobras. De acordo com as investigações, trustes e offshores foram usados pelo deputado para ocultar patrimônio mantido fora do país e receber propina de contratos da Petrobras.

Michel Temer (PMDB), vice-presidente de Rousseff, deu sua importante contribuição ao impeachment, articulando com opositores dela; por sua vez, o senador Romero Jucá costurou o rompimento do PMDB (atual MDB) com o PT .

Memes de sucesso

A despeito de toda a falta jogo de cintura de Rousseff, dos equívocos na condução da economia, das incontáveis impropriedades proferidas em seus pronunciamentos e entrevistas (que viraram memes reproduzidos até hoje com sucesso), juristas renomados afirmavam que não havia crime de responsabilidade na conduta dela.

Já na época, demonstrou-se que outros presidentes haviam produzido pedaladas fiscais, mas àquela altura isso não tinha a menor importância. Tratava-se de um processo político sem volta — o destino dela estava sacramentado.

MBL e Janaína

A Câmara analisa atualmente cerca de trinta pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), incluindo um do MBL (Movimento Brasil Livre), composto por ex-aliados de primeira hora do presidente.

A deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), que foi uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma e depois mergulhou de cabeça na campanha de Bolsonaro, agora defende a destituição de seu candidato. Paschoal ficou particularmente indignada com o menosprezo do presidente pela pandemia de covid-19, da qual ela mesma foi vítima.

Há uma semana, partidos de esquerda protocolaram pela primeira vez um pedido coletivo de impeachment de Bolsonaro.

Deus na causa

Pelas declarações do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, todos os pedidos de impeachment contra Bolsonaro baseados em supostos crimes de responsabilidade podem ser engavetados. "Acho que esse assunto não deve estar na ordem do dia hoje e, se Deus quiser, não deve estar na pauta dos próximos anos", chegou a dizer Maia, para a Globonews.

Entretanto, resta uma esperança: o aparecimento de outro "Eduardo Cunha". Não é uma possibilidade remota. Assim como no fim do governo de Dilma Rousseff, a economia vai muito mal (pior até), o presidente Jair Bolsonaro faz inimigos todos os dias e produz declarações impróprias em quantidades oceânicas (registradas em memes impagáveis).

Mais de um

Não importa que o "Cunha" esteja, como o modelo original, encalacrado na Justiça. Vai ser difícil encontrar um que não esteja. Mas naquele contexto não é grave.

A coluna sugere aos autores dos pedidos de impeachment de Bolsonaro que iniciem com urgência a campanha "Procura-se desesperadamente um 'Eduardo Cunha'". Às vezes, a solução de um problema pode estar mais próxima do que se imagina.