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Paulo Sampaio

"Não vou esquecer", avisa corretora agredida em janeiro por outra mulher

Segundo o cirurgião plástico, a cicatriz do corte entre o nariz e a boca "não vai desaparecer" - Paulo Sampaio/UOL
Segundo o cirurgião plástico, a cicatriz do corte entre o nariz e a boca "não vai desaparecer" Imagem: Paulo Sampaio/UOL

Colunista do UOL

30/05/2020 04h00Atualizada em 30/05/2020 10h26

Com a cabeça enfaixada da testa até o queixo por conta da quarta cirurgia plástica feita em quatro meses, a corretora de imóveis Milka Borges da Silva, 33 anos, aponta para uma cicatriz entre o nariz e a boca e conta que o médico já avisou que aquela não vai desaparecer. "Ele disse que, no máximo, eu posso escolher o formato. Até pensei em M, de Milka", ironiza a corretora, rindo com a bochecha intumescida.

Brutalmente agredida por outra mulher em janeiro, no banheiro do restaurante Iulia, instalado no Jockey Club de São Paulo, ela afirma que não se recuperou nem física, nem psicologicamente. A agressora, a modelo Fernanda Bonito, 27 anos, é mulher de Rodrigo Lima, irmão do dono do restaurante, Ricardo. Procurado, Rodrigo interrompeu a ligação assim que o repórter se identificou. Ricardo e Fernanda mandaram dizer pela assessoria do Iulia que não vão falar.

Omissão de socorro

"Eles são de um estrato social bem mais elevado do que o meu, eu vim de baixo, morei na Cohab, e a gente sabe como as coisas funcionam no Brasil quando as pessoas têm influência. Mas eu quero Justiça ", afirma a corretora, que hoje mora em uma casa no condomínio Alphaville, Grande São Paulo. Ela processa civil e criminalmente não só a modelo, como os donos do restaurante — por não terem prestado socorro imediato.

"Fui atendida em um hospital público, em que o médico só costurou minha boca por fora, não deu atenção aos coágulos que havia dentro. O sangue desceu pelo pescoço até meu seio. O cirurgião que me atendeu depois, em um consultório particular, disse que aquilo poderia ter evoluído para uma infecção generalizada", diz.

O dia do B.O.

Na noite de sábado, 11 de janeiro, Milka foi ao Iulia com um grupo de pessoas para comemorar o aniversário de um amigo. Chegou ao lugar por volta das 20h. O clima era de festa, até ela que se levantou com uma amiga para ir ao toalete. "Eu nem ia usar o banheiro, só fui para acompanhá-la", lembra.

A fila do reservado se estendia até fora do banheiro, e a amiga de Milka era a quarta na espera. Foi então que, segundo a corretora, Fernanda entrou ali "visivelmente alterada". "Ela queria passar à frente de todo mundo, e começou a socar as portas para obrigar as pessoas a saírem lá de dentro", lembra.

"Calma, amiga", reagiu a moça que estava com Milka. Isso teria deixado Fernanda ainda mais irritada.

'Vagabunda'!

Pouco depois, quando as duas amigas se preparavam para deixar o banheiro, ainda de acordo com a versão de Milka, Fernanda avisou que chamaria o segurança. Ao sair, teria empurrado a corretora, que a agarrou pelos cabelos para se segurar. Ambas caíram. Houve luta no chão. Fernanda se levantou e, depois de abrir violentamente a porta, já do lado de fora do banheiro, teria continuado a ameaçar a corretora. "A gente ouvia lá de dentro os gritos de 'vagabunda!'"

Milka conta que ainda estava recolhendo o que havia caído de sua bolsa na luta, quando Fernanda retornou ao banheiro: "Ela era a cara do demônio", diz. "E o namorado dela também gritava." Ainda tomada de fúria, a modelo teria arremessado um copo "de vidro grosso" no rosto de Milka, que não teve tempo de se defender.

Milka, três dias depois da agressão: 40 pontos no rosto; à direita, a agressora, Fernanda Bonito - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Milka, três dias depois da agressão: 40 pontos no rosto; à direita, a agressora, Fernanda Bonito
Imagem: Reprodução/Instagram

A cunhada

Na ocasião, em uma conversa em um grupo de whatsapp, o dono do Iulia, Ricardo Lima, se eximiu de qualquer responsabilidade sobre o ocorrido. Atribuiu tudo à cunhada.

"Eu e o Iulia não temos qualquer relação com o ocorrido. O fato se deu entre uma cliente e a Fernanda, minha cunhada. Pelo que me contaram algumas pessoas foi uma briga entre as duas, onde a Fernanda entrou na cabine do banheiro furando uma fila e a cliente ficou puta. Ao entrar na cabine a cliente ficou puta da vida esmurrando a porta e xingndo a Fernanda, que saiu do banheiro toda puta falando que ia botar essa cliente para fora, que ela n sabia com quem estava falando. Nisso empurrou a cliente que revidou batendo nela. A Fernanda saiu puta chamou controlador da porta para colocar para fora essa menina e, antes que eles pudessem chegar na cliente, a Fernanda foi e jogou um copo."

Uma semana depois, Fernanda disse ao portal G-1 que estava "arrependida" e afirmou que ia "tentar de todas as maneiras", se "retratar". Milka afirma que nunca foi procurada pela modelo.

Má vontade

Carolina Fichmann, advogada de Milka no processo criminal, se queixa de morosidade no inquérito. Diz que o delegado encarregado do caso protela providências que deveriam ter sido tomadas ainda em janeiro. "Além de ser extremamente grosseiro, ele parece estar de má vontade para fazer a investigação caminhar", diz Fichmann.

A advogada enviou para o delgado uma lista de pendências que considera fundamentais para agilizar o caso. Requer, entre outras coisas, que:

* seja determinado o imediato indiciamento da investigada, pela lesão gravíssima cometida;

* proceda-se à juntada do vídeo que mostra que a investigada é useira e vezeira em, alterada, causar confusões e agredir outras mulheres; postula-se aqui que seja requisitada cópia do inquérito policial e ouvida a vítima, justamente para estabelecer o modus operandi criminoso da investigada;

* se apure a coautoria de terceiras pessoas que ajudaram a delinquente na noite dos fatos, entre elas o namorado e os seguranças;

* se providencie cópia do comando-controle de bebida na data dos fatos, não só da investigada e de Rodrigo Lima, como dos proprietários do local — justamente para se aquilatar o estado de embriaguez em que se encontravam;

* seja oficiado o Jockey Club para que envie cópia do contrato de uso de espaço, locação, bem como todas as licenças de funcionamento, numero de pessoas permitidas, alvarás e demais documentos necessários à investigação;

Procurada pela coluna, a secretaria da Segurança Pública informou que "o caso é investigado por meio de inquérito policial". "Testemunhas estão sendo ouvidas, entre elas, o dono do estabelecimento. A autoridade policial requisitou exame de corpo de delito à vítima e aguarda o resultado dos laudos complementares, que estão em execução dentro do prazo legal."

Punição e ressarcimento

Além de pedir na Justiça que Fernanda se retrate, Milka quer que sua agressora seja punida exemplarmente. "Não é apenas prestar serviço comunitário, como sempre acontece com gente de alto poder aquisitivo, ou pagar a pena com cestas básicas. É preciso que esses casos não se repitam. Não é só o meu. Milhares de pessoas são agredidas diariamente em todo o País."

Na parte criminal, ela quer ser ressarcida pelas cirurgias e também pelo tempo em que passou sem poder trabalhar. Calcula ter gasto algo em torno dos R$ 60 mil. "Como eu poderia atender meus clientes com o rosto daquele jeito?"

Respeitando rigorosamente a quarentena imposta pela pandemia de covid-19, Milka só tirou a máscara na hora de fazer a foto para este post. Ela lastima as milhares de vítimas infectadas pelo novo coronavírus, e diz que o impacto do isolamento social a atingiu indiretamente. "Com as medidas de isolamento social, a Justiça, que já é lenta, ficou ainda mais. Mas pode escrever aí, eu não vou deixar isso cair no esquecimento!"