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Reinaldo Azevedo

Guedes é um liberal à moda antiga, do tipo que ainda não manda flores

Colunista do UOL

22/01/2020 08h52

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, é aquele liberal à moda antiga, do tipo que ainda não manda flores. Isso resta evidente em sua passagem por Davos.

Durante um painel do Fórum Econômico Mundial, o ministro saiu-se com uma frase que, lida fora do contexto, poderia até ficar bem na boca de um comunista também à moda antiga: "O pior inimigo da natureza é a pobreza. As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer".

Pois é. A Ilha de São Domingos se divide em dois países: Haiti e República Dominicana. Uma foto da fronteira ilustra a questão. A República Dominicana não chega a ser um exemplo de preservação, mas mantém 28% de sua cobertura vegetal; o país vizinho consegue o prodígio de conservar apenas 1% e é um exemplo fabuloso de pobreza.

Os simples de alma diriam: "Ora, Guedes está certo. A pobreza extrema do Haiti devastou a natureza". Não! A devastação promovida por sucessivos governos corruptos e incompetentes alimentou a pobreza.

A relação estabelecida pelo ministro é antiquada e anterior à chamada economia verde. Há a suposição explícita de que, então, primeiro é preciso vencer a pobreza para que se possa pensar, então, em preservação. Aplique-se isso à Amazônia, e vamos ver aonde o raciocínio nos leva. Se ela virasse um enorme pasto, haveria redução da pobreza?

O ministro ainda afirmou: "As pessoas querem as indústrias e os empregos, mas, ao mesmo tempo, há pressão de tornar isso verde. É um balanço delicado, mas temos certeza de que iremos alcançá-lo."

É uma contradição que só faz sentido — ou, a rigor, não faz sentido nenhum — na retórica. O desmatamento explodiu em 2019, e o desastre não se deu em razão do crescimento acelerado. O discurso oficial incentivou ações predatórias, e a pobreza não diminiui.

Essa conversa mole de Guedes, na verdade, acaba criando dificuldades adicionais para o país. Tanto é assim que ele recebeu em Davos um recado claro de investidores: se o Brasil não mudar a prática e o discurso, os investimentos não chegarão. E Bolsonaro teve, então, de tirar da cartola o Conselho da Amazônia, liderado por Mourão, e a Força Nacional Ambiental.

O Brasil tem um Código Florestal. Se aplicado, não faltará área para a produção de alimentos, e o país poderá se orgulhar de ser um exemplo de preservação ambiental. Mas, para tanto, o governo não pode considerar que o meio ambiente é um adversário da pobreza. Isso é conversa que interessa a predadores.