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Reinaldo Azevedo

Colégio Militar não é uma resposta à deficiência da educação brasileira

 Zanone Fraissat/Folhapress
Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Colunista do UOL

03/02/2020 18h21

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Em sua passagem por São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro, acompanhado de alguns ministros — inclusive Abraham Weintraub, da falta de educação —, inaugurou a pedra fundamental do Colégio Militar de São Paulo. Ao defender esse tipo de instituição como uma resposta para as dificuldades por que passa a educação, o presidente, ironicamente, deixou claro por que a militarização das escolas não é uma solução. Para que não pareça só amor pelo paradoxo, explico.

Colégios militares são um tipo especial de escola, que requerem uma mão de obra específica. Podem ser, em si, eficientes ao ministrar um conteúdo, mas, obviamente, não são uma solução para as dificuldades por que passa o ensino. Quem defende que seja essa a resposta costuma superestimar o peso da disciplina sobre os demais fatores. É, sim, um fator, mas não mais do que isso.

Para começo de conversa, essas escolas costumam ter uma procura muito superior à oferta de vagas. Isso obriga a que se faça uma seleção, o que tente, para apelar a uma linguagem do esporte, a elevar o sarrafo na disputa, selecionando os alunos mais bem preparados. Forma-se um alunado mais selecionado.

Sim, a disciplina de natureza militar tem reflexos no dia a dia das escolas, que sofrem com baixos salários, infraestrutura precária, absenteísmo excessivo dos professores, falta de um currículo definido e realmente aplicável — a despeito dos esforços nesse sentido. Assim, as escolas militares, a exemplo de alguns colégios de aplicação ligados a universidades e que nada têm de rotina de caserna acabam se constituindo em escolas de exceção. Não haveria recursos ou mão de obra para repetir a experiência nas milhares de escolas estaduais e, às vezes, municipais.

Não é a militarização que faz a diferença, mas o constância de um projeto, um corpo docente estável, um alunado mais homogêneo e uma infraestrutura adequada.

O presidente foi irônico ao se referir aos governadores do Nordeste. Oito deles não quisera aderir à escola cívico-militar. A exceção foi o governador Camilo Santana, que é do PT. Afirmou o presidente:
"Oito dos nove governadores do Nordeste não aceitaram a escola cívico-militar. Para eles, a educação vai indo muito bem, formando militantes e desinformando lamentavelmente. Aqui no Sudeste também, tivemos dois governadores que não aceitaram [RJ e ES]".

A afirmação não faz sentido. É uma bobagem achar que as escolas se transformaram em centros de militância de esquerda. Fosse verdade e fosse a pregação eficiente, Bolsonaro não deveria ser, então, presidente da República, não é mesmo?

O presidente ainda se deu ao desplante de ser fatalista:
"Ironicamente falando, o Brasil chegou numa situação de educação que não pode ser ultrapassada por mais ninguém. Por quê? Já estamos no último lugar".

Ainda não estamos, mas vamos, sim, muito mal. E a militarização, reitero, não é a saída porque inexiste mão de obra a recursos para a universalização de tal prática, ainda que ela fosse desejável.

Acho que conviria que Bolsonaro olhasse como mais calma o país que ele próprio preside. Um terço da mão de obra brasileira recebe até um salário mínimo, presidente! É um número bestial. Infelizmente, a educação acaba respondendo a carências que nem pertencem originalmente à sua área.

Usar os colégios militares e sua alegada eficiência para contrastar a "escola dos civis" é uma bobagem autoritária. Comparam-se alhos e bugalhos. Ou Bolsonaro se atreve a criar um Colégio Militar em Paraisópolis e outro no Morro do Alemão?