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Reinaldo Azevedo

Vírus revela o abismo: auxílio pode alcançar mais da metade da população

Reprodução/Site "Linguagem Geográfica"
Imagem: Reprodução/Site "Linguagem Geográfica"

Colunista do UOL

07/05/2020 07h07

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Reportagem da Folha desta quinta tem de ser lida com cuidado. Um especial cuidado, que talvez deva ser chamado de "moral". Reproduzo trecho. Volto em seguida.
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O auxílio emergencial para trabalhadores informais já beneficiou 50 milhões de pessoas, mas esse número deve crescer para pelo menos 80 milhões e pode chegar a 112 milhões, mais da metade da população brasileira, caso a crise gerada pelo coronavírus gere mais perda de renda.

A IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão do Senado, realizou uma série de simulações com base nos dados das estatais Caixa e Dataprev até 1º de maio.

Mantido o número de pessoas já beneficiadas com o primeiro pagamento, a despesa em três meses ficaria em R$ 96,5 bilhões.

Se o governo mantiver o percentual de aprovação das pessoas cadastradas (nem todas foram analisadas e algumas tiveram o benefício negado), serão 63 milhões de brasileiros e uma despesa de R$ 120,4 bilhões. Esse é praticamente o valor que o Tesouro Nacional já reservou para fazer os pagamentos (R$ 123 bilhões).

Na avaliação do analista da IFI Alessandro Casalecchi, responsável pelo estudo, o cenário mais provável é aquele que considera a inclusão de mais 17 milhões a esse número, totalizando 38% da população e uma despesa de R$ 154,4 bilhões, cerca de cinco anos de gastos do Bolsa Família.

Nesse caso, o governo terá de arranjar mais R$ 30 bilhões.

No cenário mais extremo, seriam pagos R$ 218 bilhões a 112 milhões de brasileiros, 53% da população.

Para isso, seria necessário que todas as pessoas no Cadastro Único do governo, mas que não são beneficiárias do Bolsa Família, se tornem elegíveis. O número de informais aptos teria de triplicar. Algo que só ocorreria com uma grande piora do desemprego.

Há três grupos de beneficiários que receberão R$ 600 ou R$ 1.200 do chamado "coronavoucher". O primeiro é formado por trabalhadores informais que se cadastraram via aplicativo da Caixa. São 20 milhões já recebendo e que devem se tornar 40 milhões no principal cenário da IFI.

O cálculo considera que será mantido o percentual de aprovação de 66% dos cadastrados.

Até o momento, 46 milhões de pessoas se inscreveram, mas 10,8 milhões tiveram o benefício negado, 13,7 milhões terão de completar o cadastro e 1 milhão ainda espera processamento dos dados.
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COMENTO
Há várias más notícias aí. A primeira dá conta das iniquidades que preexistiam ao coronavírus. O maldito patógeno apenas torna mais claras a desigualdade, a miséria e a informalidade. Esta última, aliás, não assumiu, por aqui, a não ser na mente de uns cretinos, as características virtuosas do empreendedorismo. O que se tem é precarização viciosa e crescente do mercado de trabalho. Vem a pandemia, e pode ser que mais da metade da população dependa de alguma forma de auxílio.

Sim, a soma de recessão e baixo crescimento nos empurrou para esse buraco. Mas não só. O país não é assim tão pobre para ter um povo assim... tão pobre!

É evidente que os mecanismos que fabricam um dos países mais desiguais do mundo respondem por isso. Em tempo ditos normais, essa brutalidade nos parecia também... normal!

A outra má notícia é que, como se vê, milhões de pessoas continuam sem acesso ao auxílio, o que certamente contribui, especialmente nas áreas pobres das grandes cidades, para diminuir a adesão ao distanciamento social. Afinal, precisam comer.

Com uma elite de outra espécie no poder, já se estaria a estudar um programa de longa duração para diminuir o abismo. Com o que se tem aí, o que se vê é um presidente que, diante da morte em massa, diz: "Infelizmente, muitos vão morrer". E convoca as pessoas para se entregarem ao vírus como ato de coragem.