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Reinaldo Azevedo

STF decide destino de inquérito das fake news e outros crimes. Sim, é legal

Alexandre de Moraes, do Supremo, relator do inquérito sobre ações criminosas contra o Supremo. Tudo de acordo com a lei - Rosinei Coutinho/STF
Alexandre de Moraes, do Supremo, relator do inquérito sobre ações criminosas contra o Supremo. Tudo de acordo com a lei Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Colunista do UOL

10/06/2020 08h45

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O STF começa a julgar nesta quarta uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pela Rede Sustentabilidade contra o inquérito aberto de ofício pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, para apurar uma rede criminosa dedicada a espalhar notícias falsas sobre o tribunal e ameaçar os ministros. O partido tentou desistir da ação porque mudou de ideia sobre a constitucionalidade e a oportunidade da investigação, mas Edson Fachin, o relator, recusou o pedido — seguindo a lei, diga-se.

Estou entre aqueles que sustentam que a investigação é constitucional, legal e necessária. Segue artigo que publiquei a respeito na Folha na sexta-feira retrasada. Acrescentarei algumas observações na sequência.
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Havendo quem queira usar a suposta irregularidade do inquérito 4.781 para flertar com o golpismo de Jair Bolsonaro ou, diante dele, omitir-se, decretando um empate moral entre as partes, fique à vontade. Mas é falso. Quando no exercício das competências penais originárias, previstas no artigo 102, inciso I, alínea "b", da Constituição, o STF preside o inquérito e exerce a supervisão judicial. Qual a novidade?

Também o artigo 2º da lei 8.038 e os artigos 230 a 234 do regimento interno do STF, que tem força de lei, disciplinam a questão. Essa conversa de ilegalidade do inquérito é papo furado. De resto, está claro: Alexandre de Moraes não vai oferecer a denúncia. O conteúdo do inquérito será remetido ao Ministério Público, que continua titular da ação penal.

"Ah, não poderia ter sido aberto de ofício, e o relator não poderia ter sido escolhido pelo presidente do STF". Poderia, como dispõe o artigo 43 do regimento interno do tribunal. "Mas se fala ali em 'infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal'". É o mais ridículo de todos os óbices.

Como bem lembrou André Mendonça, atual ministro da Justiça quando advogado-geral da União, "os fatos que atingem essa Corte Suprema e seus Ministros são preponderantemente praticados pela internet (espacialidade delitiva não prevista na literalidade da norma, dada a data de sua edição: 27/10/1980). Ou seja, a abrangência da previsão regimental ora sob análise equivale à jurisdição da Corte, que, nos termos do artigo 92, § 2º, da Constituição Federal, alcança todo o território nacional."

A verdade é que as origens da pregação golpista, parte investigada no inquérito, estão sendo exumadas. E, como quer o apóstolo Paulo, muitos estão se vendo face a face. Não é por acaso que Augusto Aras, procurador-geral da República Bolsonarista, recorre a uma ADPF que saiu da pena do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para, diz ele, delimitar o alcance do inquérito.

Randolfe é ou era da turma "Muda Senado", que saía por aí a se esgoelar, junto com a tropa golpista, em favor da "CPI da Lava Toga". A serviço da Lava Jato e do sergio-morismo, os valentes elegeram o Supremo como inimigo. Cadê os Dallagnois e Pozzobons que, a exemplo de blogueirinhas buliçosas, faziam tutoriais de como difamar a corte em nome do combate à corrupção?

Sim, é uma vergonha sem par que o STF tenha de ter aberto um inquérito de ofício. O Ministério Público Federal deveria tê-lo solicitado. Mas como o faria se era parte ativa da cultura da difamação? Como agir se muitos de seus próceres estavam na origem da campanha contra o tribunal, na qual, agora, Bolsonaro pega carona na sua aventura golpista?

E, ora vejam, o MPF, que não apenas se omitiu diante da escalada autoritária como a alimentou, continua a exercer a sua força destrutiva. Reaparece explorando a fissura dos viciados na cloroquina do combate à corrupção. Ressurge a maximização de uma obrigação moral e administrativa como norte da democracia e como ponto de chegada, não como meio, da virtude.

Eis a PGR a servir de pátio de manobra da sanha de Bolsonaro contra os governadores. A Lava Jato destruidora de instituições —que morreu como projeto de poder de Sergio Moro e dos "white blocs" do MPF— renasce em espírito com Aras, agora sob os auspícios do bolsonarismo.

E, desta feita, os valorosos moralistas contribuirão para esconder a montanha de mortos com uma montanha de acusações. A campanha eleitoral de 2022 já começou. Por ora, o único adversário de Bolsonaro são as instituições. As investigações da PGR tendem a ser o crematório de milhares de pretos de tão pobres e pobres de tão pretos anônimos.

Sim, os ladrões estão aí. Sempre estiveram e têm de ser combatidos. A questão é definir o que preservar nessa luta. Até agora, temos destruído instituições e valores democráticos.

Não use, ó moralista da isenção, o inquérito 4.781 como desculpa para a sua covardia ou omissão. Não há nada de errado com ele. Quanto a você...

RETOMO
Acho que o texto esgota a sustentação sobre a legalidade do inquérito.

Uma questão que circula por aí: Moraes deveria se declarar impedido de votar em eventuais ações penais que nasçam dessa investigação. É mesmo? Por quê? Alguém, por acaso, levantou essa objeção quando se julgam políticos com foro no tribunal? O fato é que os críticos se esqueceram de que existem inquéritos cuja competência originária é do Supremo. É o caso.

Quanto à história de que a PGR -- o Ministério Público Federal -- foi excluído da história, eis outra falácia. Lembro:
1) assim que foi instaurado o inquérito, abriu-se vista para a PGR dentro do prazo do prazo estipulado pelo Código de Processo Penal: 30 dias. O órgão, por intermédio de Raquel Dodge, então procuradora-geral, negou-se a se pronunciar e pediu o arquivamento, o que foi indeferido;

2) quando assumiu a PGR, Augusto Aras pediu o ingresso no inquérito por entendê-lo, como de fato é, constitucional;

3) nova vista foi concedida à PGR no dia 18 de fevereiro;

4) houve outra vista no dia 14 de maio;

5) Aras, então, se pronunciou no dia 19 de maio.

CONCLUO
Não vejo a menor possibilidade de o Supremo considerar a investigação inconstitucional. E não que seja necessário torcer a lei e o verbo para isso. Trata-se de legalidade e de constitucionalidade explícitas.

Aras quer propor algumas mudanças. Quais? Vamos ver.

Quaisquer que sejam, não podem implicar a confiança dos criminosos de que continuarão a agir impunemente. O ataque ao Supremo é hoje o eixo principal da pregação golpista que se faz no país.

Está escancaradamente ligada a essa questão a interpretação exótica que conferiria às Forças Armadas o papel de Poder Moderador.

Não conseguem moderar nem seus delírios geográficos...

Essa é uma das contribuições importantes de Dias Toffoli à frente da Presidência do Supremo.

Para não esquecer: esse inquérito só foi aberto de ofício porque a PGR assistia aos descalabros mais aberrantes e não movia uma palha. Pior: procuradores da República faziam parte da frente de difamação do Supremo, com atuação desavergonhada nas redes sociais, sempre em parceria sorrateira com Sergio Moro, estivesse ele na 13ª Vara Federal de Curitiba ou servindo ao governo fascistizante de Jair Bolsonaro — que ele, diga-se, ajudou a fascistizar.

Falta um longo caminho até que essa Madalena mereça a condescendência que se deve ter com os arrependidos.

E, que se saiba, segundo entrevista dada ao Fantástico, Moro não se arrependeu.