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Reinaldo Azevedo

Se o comunismo ameaça capitalismo nativo, nosso maior comunista é Bolsonaro

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Saída de Bolsonaro é um pouco mais demorada. Depredador ambiental tem de cair já. Para o bem do agronegócio e do país - Adriano Machado/Reuters
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Saída de Bolsonaro é um pouco mais demorada. Depredador ambiental tem de cair já. Para o bem do agronegócio e do país Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

24/06/2020 07h48

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O melhor que o capitalismo brasileiro poderia fazer em favor de si mesmo e do povo seria demitir Jair Bolsonaro. Mas isso não é coisa, se acontecer, que se faça da noite para o dia. Então, por ora, para se preservar de uma encrenca monumental, o país tem de botar na rua o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Já não se trata mais de um risco. A questão chegou ao nível das advertências — e, pois, das ameaças: no caso, é a civilização ameaçando a barbárie, o que não deixa de ser um momento raro na história da humanidade.

A verdade inequívoca é que a política ambiental é a principal fragilidade do Brasil quando este é submetido aos olhos do mundo que interessa. Na toada em que a coisa vai, investimentos externos tendem a ignorar o país, e o setor mais virtuoso de sua economia, o agronegócio, pode sofrer sucessivos golpes em razão da estupidez que reina na área.

A referência da antipolítica ambiental do atual governo não é preservação do meio ambiente somada às virtudes do agronegócio de ponta. Tomam-se medidas para agradar madeireiros ilegais, invasores de terras indígenas e pistoleiros disfarçados de empreendedores rurais.

OS FUNDOS
Nesta segunda, 29 fundos de investimentos que administram a bagatela de US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões) enviaram uma carta a sete embaixadas brasileiras -- EUA, Japão, Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda -- pedindo uma reunião para discutir o desmatamento na Amazônia.

Esses fundos acompanham o que acontece no país em detalhe. O documento especifica até número de expedientes legais que regularizam invasão de área pública e exploração de terra indígena e, ora vejam!, fazem referência explícita àquela intervenção indecorosa de Salles da reunião ministerial macabra do dia 22 de abril.

Segundo o texto, as "declarações recentes do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que usou a crise da Covid-19 a fim pressionar pela desregulamentação ambiental", são um exemplo de "ameaça da desregulamentação das políticas de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil".

PARLAMENTARES EUROPEUS
Na quinta, dia 18, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, recebeu uma carta de 29 integrantes do Parlamento Europeu que manifestam a sua preocupação com o que veem como uma escalada no país contra o Meio Ambiente.

Os digníssimos integram a Comissão de Ambiente e comitês que tratam de agricultura e comércio exterior. Sem a concordância, entre outros, do Parlamento Europeu, não existe acordo Mercosul-União Europeia. Vai ver é precisamente isso o que querem os lunáticos que se dizem antiglobalistas. Vai ver o comércio internacional é prejudicial aos tradicionais valores do nosso povo, não é mesmo?

Também nesse caso, a situação é acompanhada com lupa. Os eurodeputados citam como perigo ao meio ambiente e aos direitos humanos o PL 2.633, que trata da regularização de terras públicas invadidas; o PL 3.729, que muda regras de licenciamento ambiental, e o PL 191, sobre extração mineral em terras indígenas.

E, claro!, também nesse caso, Salles, que envergonhou o Brasil na mais recente Cúpula do Meio Ambiente, é apontado como uma ameaça — o que, de resto, ele de fato é. Os parlamentares europeus pedem que seus congêneres brasileiros "ajam para manter e restaurar as leis e a estrutura necessária para proteger as florestas brasileiras e os direitos dos povos indígenas".

ENTIDADES
A terceira iniciativa é mais do que um puxão de orelha. Trata-se de uma ação prática. Cinco entidades internacionais de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos -- ClientEarth, Fern, Veblen Institute, FIDH e Fondation pour la Nature et l'Homme -- apresentaram uma queixa à ombudsman da União Europeia pedindo a suspensão das tratativas do acordo do bloco com o Mercosul até que a questão ambiental no Brasil seja devidamente debatida.

Eis aí: sob o pretexto de combater o comunismo e o globalismo, o governo Bolsonaro é hoje a maior ameaça ao capitalismo no Brasil, muito especialmente a seu setor mais dinâmico, o único que não foi à breca com a crise do coronavírus: o agronegócio.

Os fundos de investimento chegam a citar nomes de empresas brasileiras que já estão sendo prejudicadas pela má reputação da política ambiental. E má reputação justificada. Também nessa área, o governo Bolsonaro mais se ocupou em destruir as políticas que estavam em curso do que em construir alternativas virtuosas.

O Brasil tem uma bancada ruralista numerosa e influente. Cabe a seus membros decidir se apostam no fortalecimento do agronegócio ou se dão sustentação a uma política que ampara a pistolagem no campo, ameaçando as exportações brasileiras e os investimentos.

MST? Não representa risco nenhum ao agronegócio. O nome do perigo, hoje, com reputação internacional já firmada, é mesmo Ricardo Salles. Que seja removido como medida imediata possível. Ou o país quebra a cara. Se o comunismo é mesmo uma ameaça ao capitalismo brasileiro, como querem os malucos, o maior comunista da nossa história se chama Jair Bolsonaro.