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Reinaldo Azevedo

Toffoli: Constituição ganha, Lava Jato perde. E a investigação clandestina

Dias Toffoli: ministro determina compartilhamento de dados, em cumprimento do que está na Constituição - Rosinei Coutinho/STF Divulgação
Dias Toffoli: ministro determina compartilhamento de dados, em cumprimento do que está na Constituição Imagem: Rosinei Coutinho/STF Divulgação

Colunista do UOL

10/07/2020 08h42

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Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar a uma Reclamação apresentada pela Procuradoria Geral da República e determinou o imediato compartilhamento com a PGR "de todas as bases da dados estruturados e não-estruturados utilizadas e obtidas em suas investigações" pela Lava Jato, e isso vale para as seções de Curitiba, Rio e São Paulo.

Mas há mais: o ministro determina que a PGR apure se as forças-tarefa, que pertencem à primeira instância do MPF, estavam investigando autoridades com foro especial. Aqui e ali se diz tratar-se de uma derrota importante para a Lava Jato. Diria que se trata de uma vitória da lei e da derrota do arbítrio. Se a Lava Jato é arbitrária, e é, então perdeu também.

USURPAÇÃO DE FORO
Há alguns dias, algo de extrema gravidade veio à luz. Na denúncia que a Lava Jato de Curitiba ofereceu contra os dirigentes do grupo Petrópolis, aparecem camuflados os respectivos nomes dos presidentes da Câmara e do Senado: Rodrigo Maia é chamado de "Rodrigo Felinto", e David Alcolumbre, de "David Samuel". Eles figuram como recebedores de doações eleitorais legais do grupo Petrópolis. Segundo o MPF, no entanto, os recursos repassados pertenceriam, na verdade, à Odebrecht, que usaria o grupo Petrópolis para mascarar repasses a políticos.

Ocorre que as doações ao deputado e ao senador, que têm foro no Supremo, já estão sob investigação em inquérito que tramita nesse tribunal. Uma Reclamação acusando a sobreposição de investigações foi apresentada STF e teve Edson Fachin como relator. Ao ministro, o juiz titular da 13ª Vara Federal em Curitiba, Luiz Antônio Bonat, que havia aceitado a denúncia, admitiu a impropriedade. Escreveu:
"Pelo exposto, aparentemente, as doações eleitorais 79, 88 e 283, imputadas pelo MPF na denúncia da ação penal 5077792-78.2019.4.04.7000, estariam sob investigação no Inquérito 4.431/DF."

Mas não só: Bonat deixou claro que ele não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Afirmou:
"A alegação de usurpação de competência é novidade a este Juízo".

Em todo caso, ele suspendeu todos os prazos de tramitação do processo.

Toffoli transcreve em sua liminar a resposta de Bonat, restando claro trata-se de um indício de que a Lava Jato estava investigando autoridades com foro no Supremo, daí que cobre que a PGR investigue a questão. O caso é de extrema gravidade porque, a ser verdade que esses políticos foram mesmo investigados, há duas questões a considerar, dada a resposta de Bonat:
- a Lava Jato de Curitiba mandou o STF às favas e investigou quem bem entendeu;
- a força-tarefa, que operava em parceria com Sergio Moro, como revelou a Vaza Jato, deu um jeito de enganar o juiz Bonat, que o sucedeu.

A UNIDADE
Toffoli concorda na sua inteireza com a argumentação contida na Reclamação apresentada pela PGR em favor do completo compartilhamento de dados. Escreve:

O princípio da unidade, de especial relevância, significa que os membros do Ministério Público integram uma só instituição, voltada, toda ela, à "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, da CF/88). O Ministério Público da União, portanto, enquanto instituição, compõe um todo intrinsecamente indivisível, sendo sua repartição em órgãos e a subordinação administrativa a coordenadores diversos justificadas apenas pela necessidade de organização administrativa e funcional que assegure à instituição a defesa dos interesses difusos e coletivos em todo o território nacional.

Não obstante, a sua direção única pertence ao Procurador-Geral, que, hierarquicamente, detém competência administrativa para requisitar o intercâmbio institucional de informações, para bem e fielmente cumprir suas atribuições finalísticas, como, por exemplo, zelar pela competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, na qualidade de fiscal da correta aplicação da lei e da Constituição.

As seções de Curitiba, Rio e São Paulo se recursaram a compartilhar dados. Sobre elas, escreve o ministro:
Reafirmo, portanto, à luz do quanto exposto, que os reclamados incorreram, neste primeiro exame, em evidente transgressão ao princípio constitucional da unidade do Ministério Público, estabelecido no § 1º do art. 127 da Constituição Federal, recentemente reafirmado pela Corte, no julgamento da ADPF nº 482, negado, dessa forma, aplicabilidade a essa decisão.

Dado o forte indício de que autoridades com foro especial foram investigadas pela força-tarefa de Curitiba, escreve o ministro:

Inegável, por conseguinte, a necessidade de se determinar o imediato intercâmbio institucional de informações, para oportunizar ao Procurador-Geral da República o exame minucioso da base de dados estruturados e não-estruturados colhidas nas investigações das forças-tarefas da operação Lava Jato nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, para que Sua Excelência possa se certificar quanto à existência ou não de investigações relativas às autoridades com foro prerrogativa na Corte, eventualmente realizadas sob supervisão de autoridade judiciária incompetente.

A liminar tem efeito imediato, claro! E será oportunamente submetida ao pleno. Como não ser referendada? Afinal, na Constituição, lê-se no Parágrafo 1ª do Artigo 127:
"São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional".

Não está escrito na Constituição que as forças-tarefa de Curitiba, Rio e São Paulo são entes autônomos.