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Reinaldo Azevedo

Lava Jato e lavajatismo têm de acabar para não corromper luta anticorrupção

Procurador Deltan Dallagnol: ele se fez a principal face da Lava Jato. A ponto de terçar armas com o próprio procurador-geral da República - Geraldo Bubniak/AGB/Agência O Globo
Procurador Deltan Dallagnol: ele se fez a principal face da Lava Jato. A ponto de terçar armas com o próprio procurador-geral da República Imagem: Geraldo Bubniak/AGB/Agência O Globo

Colunista do UOL

27/07/2020 06h49

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O Estadão publicou neste domingo um bom editorial sobre os desmandos praticados pelo lavajatismo e o mal que eles fazem ao país. Não deixa de ser raro num ambiente — a imprensa — ainda impregnado de vocações salvacionistas quando o assunto é o combate à corrupção.

Qual é a grande e essencial virtude do texto? Lembrar que o necessário combate à corrupção deve se dar dentro dos marcos do estado de direito — vale dizer: a finalidade nobre não admite o emprego de meios escusos.

Mas tenho também duas reservas respeitosas ao texto — sem as quais eu o consideraria excelente.

Eu também já cheguei a considerar, a exemplo do editorial do Estadão, que "a Operação Lava Jato é uma coisa, e o lavajatismo, outra coisa". Lá no começo. Ainda em 2014. Mas eu estava errado — e penso que o editorial também. Essa distinção não existe. Para tanto, seria necessário que aparecessem os procuradores e delegados da PF que são favoráveis à Lava Jato, mas contra o lavajatismo. Onde eles estão? Não existem! Então não há essa distinção.

Quem a faz está querendo criticar os desmandos da Lava Jato, mas buscando minimizar o risco de ser acusado de conivente com a corrupção, como a pedir escusas pela crítica, como a se justificar. É isto o que faz a operação: ou se está inteiramente com ela ou contra ela.

Então a minha constatação é outra: "O combate à corrupção, nos marcos do estado de direito, é uma coisa; a Lava Jato, outra, ainda que esta possa também, em muitos casos, atuar nos limites da lei. Ocorre que a frequência com que recorre a expedientes oblíquos para fazer valer a sua vontade agride o devido processo legal e ameaça conquistas democráticas".

Num editorial no mais das vezes correto e corajoso, há uma outra ressalva a fazer. Diz o texto: "Operações como a Lava Jato não só podem, como devem continuar existindo".

Não! O que deve continuar a existir, de modo implacável, é o combate à corrupção. É preciso pôr fim a forças-tarefa porque acabam se tornando finalidades em si mesmas, buscando se eternizar. Investigações têm de ser feitas, inquéritos têm de ser abertos, denúncias têm de ser oferecidas, mas sem esse lamentável e execrável show midiático de "fases da operação", destinadas ao fim dos tempos.

OS FATOS
Vamos ver. O que a Lava Jato do Rio ou a de São Paulo têm a ver com os desmandos havidos na Petrobras, que estão na raiz na Lava Jato de Curitiba? A resposta é uma só: nada! Nestes cinco anos, obedecendo exclusivamente às suas respectivas vontades, essas operações escolheram o que queriam e o que não queriam investigar.

Montou-se um verdadeiro esquema para definir o que é e o que não é Lava Jato, de sorte que investigadores resolveram escolher os investigados, criando a narrativa que lhes pareceu mais conveniente. Pior: na prática, juízes também escolheram aqueles a quem queriam julgar.

Todos os operadores do direito com um mínimo de honestidade sabem que operações que se eternizam destroem o fundamento constitucional do juiz natural e do promotor natural. Não por acaso, um procurador da República, em São Paulo, denunciou fraude na distribuição dos processos.

A criação de forças-tarefa acaba se constituindo na formação de verdadeiros bolsões, ou cancros, dentro do Ministério Público Federal.

Tanto é assim que a Lava Jato, composta de membros do Ministério Público Federal, luta hoje no Supremo contra seus colegas que integram a Procuradoria Geral da República, o que é uma aberração. Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba e um dos mais fieis admiradores de Moro, decidiu liderar a cruzada.

Tanto é assim que a Lava Jato de Curitiba ousou tentar criar uma fundação com parte dos recursos de multa paga pela Petrobras e agora ousa, por intermédio da 13ª Vara Federal de Curitiba, doar recursos para o combate à Covid-19, como se isso fosse tarefa sua; como se fosse lícito dispor de dinheiro oriundo de acordo de leniência segundo aquilo que considera conveniente.

Tanto é assim que forças-tarefas ganham licença até para contrariar de forma desabrida a lei. O Parágrafo 10º do Artigo 16 da Lei 12.846, por exemplo, estabelece:
"§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira."

Todo mundo sabe que, na prática, as forças-tarefa fazem os acordos de leniência, mesmo sem previsão legal, ou jamais as empresas vão se livrar da, digamos, vigilância da turma.

Não! A investigação de malfeitos tem de continuar. A criação de forças-tarefa só serve ao propósito de criar um poder paralelo no Ministério Público Federal.