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Reinaldo Azevedo

Os R$ 93 mil para Michelle: versão dos Bolsonaros não resiste aos fatos

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/08/2020 15h41

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Pois é... As explicações dadas por Jair e Flávio Bolsonaro e por Fabrício Queiroz sobre a lambança financeira que os une nunca fizeram sentido a uma pessoa com um mínimo de razoabilidade. O mais fanático dos bolsonaristas pode fingir que acredita na versão oficial do trio. Mas, intimamente, sabe que, caso levasse a sério a convicção que diz ter, não conseguiria se deslocar apenas sobre os membros posteriores: teria de ter os dois pés no chão e as duas mãos também.

E, como se vai percebendo passo a passo, a realidade se encarrega de demonstrar que a versão é mesmo preparada para quadrúpedes ruminantes, o tal gado. A narrativa inventada não suporta a luz do sol.

Dados obtidos pela revista eletrônica Crusoé, a partir da quebra do sigilo bancário de Fabrício Queiroz, que abrange o período de 2007 a 2018, apontam que o amigão de Jair Bolsonaro repassou a Michelle Bolsonaro, ora primeira-dama, a bolada de R$ 72 mil.

Apuração da Folha confirma a informação de que o valor do repasse é bem maior do que se sabia até então e ainda com um chorinho: somam, na verdade, R$ 76 mil. O jornal apurou ainda que Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, repassou à primeira-dama outros R$ 17 mil entre janeiro e junho de 2011.

Os depósitos foram feitos nas seguintes datas e respectivos valores:
De Fabrício para Michelle
- de outubro de 2011 a abril de 2013: 12 cheques de R$ 3 mil, totalizando R$ 36 mil;
- de abril a dezembro de 2016: 10 cheques de R$ 4 mil, totalizando R$ 40 mil.
De Márcia Aguiar para Michelle
- de Janeiro a junho de 2011: cinco cheques de R$ 3 mil e 1 cheque de R$ 2 mil, totalizando 17 mil.

Assim, a Família Queiroz repassou só à primeira-dama um total de R$ 93 mil entre outubro de 2011 e dezembro de 2016.

SITUAÇÃO SE COMPLICA
É claro que a situação do presidente se complica bastante politicamente, não? Nunca ninguém apostou, porque não faz sentido e porque os fatos evidenciam que não, que Flávio fosse o comandante da família Bolsonaro. Quem manda no clã, por óbvio, é o chefe de todos os chefes: Jair.

Flávio já está enrolado o bastante em explicações inconsistentes, que não resistem a um sopro de racionalidade. Na versão criada por Fabrício, ele próprio operaria, sim, a rachadinha, mas não com esse nome: o objetivo seria contratar funcionários informais para o gabinete. Flávio, que inicialmente afirmara não saber de nada, acabou aderindo também a essa versão. E, pois, o objetivo nunca teria sido embolsar o dinheiro, o que caracteriza, entre outros crimes, peculato.

Quando dados do Coaf com a movimentação financeira de Fabrício vieram a público em dezembro de 2018, circulou a informação de que o ex-faz-tudo dos Bolsonaro havia repassado R$ 24 mil a Michelle. Fazendo a linha "destemido que fala tudo", o presidente afirmou que o valor era maior: R$ 40 mil!

Huuummm... Versão oficial do presidente: ele teria emprestado R$ 40 mil ao amigão, que, então, se encarregou de fazer a devolução. Ocorre que não há nenhuma evidência de que Bolsonaro tenha feito qualquer empréstimo a Fabrício: não entre 2007 e 2018, período abrangido pela quebra do sigilo.

O GRANDE ROLO
Segundo apuração do Ministério Público do Rio, entre 2007 e 2018, 11 assessores ligados ao gabinete de Flávio repassaram R$ 2 milhões a Fabrício. Nada menos de 60% desse valor tiveram origem nas contas de Márcia Aguiar, sua mulher, e de Nathalia e Evelyn, suas filhas, que transitaram pelos gabinetes de Jair e Flávio como funcionárias fantasmas.

Queiroz, adicione-se, movimentou muito mais: no período da quebra do sigilo, ele sacou nada menos de R$ 2,9 milhões. Como se vê, o valor é bem maior do que aquele R$ 1,2 milhão de que se falou logo depois da eleição, em dezembro de 2018.

Em seu depoimento ao Ministério Público, o empresário Paulo Marinho havia afirmado que a movimentação era muito superior àquele que a imprensa noticiava à época.

Quando Bolsonaro veio a público com a história de que havia emprestado R$ 40 mil a Fabrício, um repórter indagou se havia comprovação de tal depósito. Com a delicadeza habitual, o mandatário respondeu:
"Oh rapaz, pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai, tá certo?"

Não se sabe que vínculo pode haver entre a mãe do repórter e as lambanças que enroscam a família Bolsonaro à família Queiroz. Uma coisa é certa: a quebra do sigilo fiscal indica que todos eles, até agora, mentiram sobre os números.

Pergunta-se: para esconder o quê, além daquilo que já sabemos que escondiam?