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Reinaldo Azevedo

Vídeos com ex-presidente da Fecomercio provam delação criada pela Lava Jato

Orlando Diniz durante depoimento: vídeos demonstram que narrativa de delação, que resultou em ação contra escritórios, é uma narrativa criada pela Lava Jato-RJ - Reprodução/Youtube-O Antagonista
Orlando Diniz durante depoimento: vídeos demonstram que narrativa de delação, que resultou em ação contra escritórios, é uma narrativa criada pela Lava Jato-RJ Imagem: Reprodução/Youtube-O Antagonista

Colunista do UOL

15/09/2020 17h02

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Vídeos que estão circulando com a delação de Orlando Diniz, obtidos pelo site O Antagonista, impressionam. Diniz é ex-presidente da Fecomércio, fez delação premiada, acertada com a Lava Jato-RJ, e esse acordo resultou numa devassa em escritórios de advocacia. O alvo principal é o de Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, que é defensor de Lula nas ações penais.

Muito bem, meus caros. Repito o mantra: não declaro inocência ou culpa. Não pratico condenação ou absolvição extrajudiciais. O que faço é verificar se o devido processo legal está sendo cumprido ou não.

Abaixo, segue uma síntese do caso feita pelo site Consultor Jurídico. Volto em seguida. Vou sugerir que vocês assistam ao trecho ao menos de um dos vídeos.
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Vídeos de trechos da delação de Orlando Diniz mostram que o Ministério Público Federal dirigiu as respostas do delator. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.
Diniz diz que os contratos fechados com o escritório de Cristiano Zanin foram "legais". A procuradora o convence de que ele deve dizer que foram ilegais. "Foram formais, mas ilegais", ela dirige. Diniz concorda. Mais à frente, ele diz para ela colocar o que quiser: "Fica a seu critério".

Quando Diniz corrige a "informação" de que a mulher de Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, faria parte do "núcleo duro" do suposto esquema, um procurador chega a intimidar o delator, dizendo que ele está tentando proteger Ancelmo.

Em determinado momento, Diniz afirma: "Acho que essa frase ficou meia solta". Ela responde: "Eu aproveitei ela do seu anexo" — o que mostra que a procuradora reescreveu a delação.

O procurador choca-se com o delator: "Ou todos escritórios fizeram a mesma coisa ou nenhum deles fez coisa alguma", diz, bancando uma contradição lógica. "Mas a gente detalha isso nos anexos de cada escritório" tergiversa o procurador, o que é feito sempre que o delator discorda do texto atribuído a ele.

Os vídeos, divulgados pelo site O Antagonista, mostram um Orlando Diniz inseguro. O delator chega a corrigir algumas passagens e mostrar discordância. Os ajustes das versões são feitos ali, na hora. Diniz não entende trechos do texto que é atribuído a ele. Os procuradores explicam o que ele tem de referendar, como se fosse a primeira vez que ele ouvia aquilo.

Fica clara a estratégia do Ministério Público: prender, pressionar, "negociar" a delação até que ela atinja quem os procuradores querem. Dirigir, criar uma narrativa, conseguir as manchetes que vão equivaler a uma condenação pela opinião pública. Com base apenas em delações, constrói-se um castelo de areia, fadado a desmoronar. Mas tudo bem, pois, quando isso acontecer, os objetivos já terão sido atingidos — e sempre se pode pôr a culpa pela impunidade no Supremo.

O CASO
A delação de Orlando Diniz justificou o maior ataque contra a advocacia registrado no país. Na última quarta-feira (9/9), o juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, determinou o cumprimento de mais de 50 mandados de busca e apreensão contra advogados e empresas.

Ao mesmo tempo em que autorizava as buscas, Bretas aceitou uma denúncia contra 26 pessoas, também com base na delação. Especialistas ouvidos pela ConJur apontaram que a denúncia tem erros de competência (uma vez que a Fecomércio e o Sistema S deveriam ser julgados na Justiça Estadual, e não na Federal — mas aí não seriam responsabilidade de Bretas) e de imputação de crimes (já que empregados dessas organizações não podem ser acusados de peculato ou corrupção, pois não são funcionários públicos).

Orlando Diniz já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão depositados no exterior.

RETOMO
Vocês têm de assistir a este vídeo.


Como se vê, os procuradores se irritam com Orlando Diniz porque ele deixa claro que tanto os escritórios principais contratados por ele como aqueles subcontratados pelos principais (chamados de "núcleo duro") — o que é prática corriqueira, note-se — efetivamente trabalhavam.

A procuradora chega a cobrar de Diniz detalhes, que ele obviamente não pode dar, sobre meandros do que eu chamaria burocracia judicial. Ora, nenhum cliente acompanha essas coisas no detalhe — e essa é uma das razões por que contrata advogados.

Ao invés de evidenciar as relações espúrias entre os escritórios e a Fecomercio, o que os vídeos comprovam é que os serviços foram efetivamente prestados e que o "assalto ao Sistema S", que teria sido praticado por eles, é uma fantasia. Ao menos no caso em questão.

Que fique claro: não estou entrando no mérito dos valores cobrados: se muito, se pouco, se mais ou menos. Havia um contratante e havia prestadores do serviços — e os serviços foram efetivamente prestados.

Reitero: assistam aos vídeos. A chamada "narrativa" é criada pelos procuradores. E, quando o delator discorda, leva um pito dos procuradores.

Enquanto as delações premiadas seguirem essa rotina, inexistirá devido processo legal por meio desse instrumento. Trata-se, como se vê, de uma narrativa de chegada. Os procuradores têm uma história e buscam preencher os lapsos factuais e temporais adaptando o depoimento do delator à história já redigida.

Deve ser a isso que Luiz Fux, Edson Fachin e parte da imprensa chamam de "legalidade da Lava Jato".