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Reinaldo Azevedo

Se STF não é inócuo, ministro tem de ser punido por homofobia. Digo por quê

Milton Ribeiro, ministro da Educação. As palavras fazem sentido. E o sentido das palavras ditas por Ribeiro apontam um crime: homofobia - Dida Sampaio/Estadão
Milton Ribeiro, ministro da Educação. As palavras fazem sentido. E o sentido das palavras ditas por Ribeiro apontam um crime: homofobia Imagem: Dida Sampaio/Estadão

Colunista do UOL

28/09/2020 05h16

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Este escriba é autor de uma frase que merece, creio, reflexão. Quem não sabe a diferença entre crime e liberdade de expressão acaba confundindo liberdade de expressão com crime. E, por óbvio, toma a democracia que pune o preconceito como uma manifestação de autoritarismo, reivindicando que seu autoritarismo seja uma das manifestações da democracia.

É precisamente o que a extrema direita bolsonarista anda a fazer no país, inclusive por intermédio de algumas figuras abjetas que reivindicam a condição de jornalistas. Errado! Jornalistas não são, mas bocas de aluguel. Há múmias por aí que passaram a revelar seu reacionarismo delirante só depois de Bolsonaro ter chegado ao poder. Não opinavam antes por quê? Por falta de financiamento? Quanto custa a sua suposta opinião? Ainda voltarei oportunamente a este tema.

Quero falar agora sobre o ministro da Educação, Milton Ribeiro. É um político. É um homem público. E pensa políticas públicas. É também um pastor. Ao falar a seus fiéis, diga lá o que bem entender — desde que não esteja cometendo e incentivando o crime. Assim como não se admite que um padre, pastor, rabino, imã ou pai de santo faça a apologia do roubo, da pedofilia, do racismo ou da corrupção, mesmo em seu ofício religioso — ou se admite? —, é evidente que, segundo o ordenamento que temos, o mesmo deve valer para a homofobia.

Segundo decisão do Supremo, enquanto o Congresso não votar uma lei que puna a homofobia, aplica-se a quem praticá-la a pena e as consequências previstas na lei 7.716, que pune o racismo. Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se opuseram ao enquadramento, conforme relatoria de Celso de Mello, afirmando ser essa uma tarefa do Congresso. Para Marco Aurélio, nem tal recomendação cabe ao Supremo fazer. Os outros sete ministros acompanharam Celso.

Pois bem: Humberto Jacques de Medeiros, vice-procurador-geral da República, pediu ao STF abertura de um inquérito contra Ribeiro por homofobia em razão de declarações que ele deu ao Estadão. Toffoli será o relator.

O que disse mesmo o ministro? Convém lembrar:
"Quando o menino tiver 17, 18 anos, ele vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, não concordo. É importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião. Acho que o adolescente que, muitas vezes, opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios."

Se a sexualidade é uma opção, como diz o ministro, e se ele afirma que muitos meninos "optam" por ser gays sem terem estado com uma mulher, caberia perguntar se o ministro e pastor optou pela heterossexualidade depois de fazer sexo com um homem. Não! Não pretendo ser jocoso. Só exponho a estupidez de seu raciocínio.

Ribeiro erra no termo ao falar em "homossexualismo" em vez de "homossexualidade"; a primeira palavra sugere uma doença, vício ou desvio; a segunda indica uma condição — não uma opção. Ele cometeu crime de homofobia?

Além de afirmar que a pessoa escolhe ser homossexual — o que abre a porta para a violência das terapias de conversão —, ele sustenta que essa escolha se dá no ambiente de famílias desajustadas, o que é falso como a generosidade do Deus no qual ele acredita. E ainda diz: "Basta fazer uma pesquisa!" Então quero ver a pesquisa. Inexiste.

É claro que o doutor entende ser a homossexualidade uma espécie de aberração. Ele se desculpou depois, apelando ao tal contexto. Não! O contexto só piora a sua homofobia explícita. Transcrevo as acepções 1, 2 e 3 do Dicionário Houaiss. Aberração é:
1: desvio do que é considerado padrão;
2: qualidade, condição ou estado de irregularidade que resulta desse desvio;
3: defeito ou distorção de uma forma da natureza; monstruosidade, imperfeição, deformidade
.

Em suma: crime de homofobia. Toffoli, o relator, votou contra a equiparação do crime de homofobia ao crime de racismo. Mas tem de valer, quero crer, a posição do colegiado, tomada por 8 a 3.

No Twitter, escreveu o ministro:
"Diante de meus valores cristãos, registro minhas sinceras desculpas àqueles que se sentiram ofendidos e afirmo meu respeito a todo cidadão brasileiro, qual seja sua orientação sexual, posição política ou religiosa."

Há duas malandragens retóricas aí. A primeira considera em pedir desculpas "àqueles que se sentiram ofendidos", como se ele não tivesse praticado a ofensa, e a dita-cuja pertencesse ao âmbito da subjetividade dos "que se sentiram". Uma ova! Trata-se uma agressão a uma condição humana. Isso é objetivo e diz respeito a gays e não gays. Não é uma questão subjetiva.

Ao afirmar que respeita qualquer posição, inclusive a "religiosa", pretende reivindicar que, como pastor, tem o direito de pensar o que pensa. Chega dessa conversa! Volto ao ponto e encerro: alguém pode evocar a sua religiosidade para justificar o cometimento de algum outro crime? Se a resposta é "não" — e creio que todas pessoas de bom senso assim se manifestam —, cabe a pergunta: se a opção religiosa (sim, nesse caso, é uma opção) não justifica a prática de outros crimes, por que haveria de justificar a homofobia, inclusive num templo religioso?

Ora, só a homofobia explica, certo? E homofobia é crime.

Não há como escapar.

De resto, ele não retirou a afirmação de que a homossexualidade é uma aberração, derivada de um desajuste.

Que Toffoli faça a coisa certa. De acordo com o que votaram 8 dos 11 ministros do Supremo.