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Reinaldo Azevedo

RAP DO ANDRÉ 1: Marco Aurélio errou, mas há um esforço para sabotar boa lei

Ministro Marco Aurélio, do Supremo. Ele cumpriu rigorosamente o que está no Artigo 316 do Código de Processo Penal. O 312, no entanto, justifica a prisão de André do Rap. Não lhe cabe aplicá-lo, mas ele tinha o poder de mobilizar quem poderia tê-lo feito. Errou! - Adriano Machado / Reuters
Ministro Marco Aurélio, do Supremo. Ele cumpriu rigorosamente o que está no Artigo 316 do Código de Processo Penal. O 312, no entanto, justifica a prisão de André do Rap. Não lhe cabe aplicá-lo, mas ele tinha o poder de mobilizar quem poderia tê-lo feito. Errou! Imagem: Adriano Machado / Reuters

Colunista do UOL

12/10/2020 07h22Atualizada em 12/10/2020 14h08

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É claro que vou tratar do imbróglio da soltura e fuga de André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, um dos chefões do PCC. Dado o rolo, pergunta-se: alguém tem razão? Resposta: não! Mas alguns estão mais errados do que outros.

"Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal."

Vai acima o Parágrafo Único do Artigo 316 do Código de Processo Penal. Passou a ser lei no Brasil a partir de 24 de dezembro do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou, com alguns vetos, o pacote anticrime elaborado pela Câmara. Desde essa data, são muitas as tentativas de sabotar o que é inequivocamente um avanço. Não por acaso, vozes das trevas tentam torná-la inviável por pensamentos, atos e palavras.

O que é preciso esclarecer antes de ser judicioso, atribuindo a cada um a sua responsabilidade?

1: A lei está correta. Milhares de pobres desgraçados ficam indefinidamente presos no Brasil.

2: Dados de junho de 2019 apontam que o país conta com 773 mil encarcerados. Estão nas unidades carcerárias 758.776 — desse total, 253.963 são presos provisórios, ainda sem a condenação: 33,47%. Uma vergonha!

3: Esse contingente de mais de 253 mil pessoas inclui gente que acabou jogada no sistema e lá permanece, invisível, em prisões preventivas que se arrastam indefinidamente. Certamente há os acusados injustamente, mas a maioria deve mesmo ter cometido crime. Ora, o Estado que vai puni-las tem de ser eficiente para lhes aplicar a pena justa.

4: A prisão preventiva pode ser decretada no Brasil em qualquer fase do processo, desde que se levem em conta os requisitos do Artigo 312 do Código de Processo Penal, a saber:
"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria."

5: Assim, esse debate nada tem a ver com a execução da pena só depois do trânsito em julgado — isto é, da condenação sem mais chance de apelo. Ora, é claro que soltar André do Rap, um chefão do PCC, representava uma ameaça à ordem pública e um risco de não aplicação da lei penal — ou seja: fuga. Tanto é assim que ele fugiu.

6: Vamos lá: a prisão de André do Rap foi decretada em maio de 2014. Ele estava foragido e só foi capturado em setembro do ano passado. Ele ainda não tem condenação definitiva, mas, reitere-se, o Artigo 312 do Código de Processo Penal permite que fique preso.

7: Ora, quem deveria ter pedido a manutenção da prisão do bandido? Resposta: o Ministério Público! Isso foi feito? Resposta: não! A lei dos 90 dias está em vigência há quase 10 meses. Seus advogados até demoraram demais.

8: Assim, desde logo, pergunte-se, responda-se e se avance: o ministro Marco Aurélio cumpriu rigorosamente a lei ao conceder um habeas corpus ao criminoso, uma vez que o MPF foi negligente e não renovou o pedido de prisão preventiva? A resposta é "sim". Mas vamos devagar com o andor.

9: Não precisaremos mais de juízes no dia em que houver a aplicação automática do texto legal. Bastará um recurso de inteligência artificial para fazê-lo. O mesmo código que abriga o Artigo 316, que impõe o pedido de renovação, traz o 312, que trata dos criminosos passíveis de prisão preventiva. E poucas pessoas cumprem com tanta propriedade os requisitos que lá estão.

10: Marco Aurélio tem uma frase de efeito sempre lançada quando toma uma decisão polêmica — ora certa, ora errada: "Processo não tem capa; tem conteúdo". Pois que atentasse para o conteúdo: antes de conceder um habeas corpus, um juiz pode e deve colher informações a respeito do potencial beneficiário. Acredito que uma mera consulta à Justiça Federal de primeiro grau e ao Ministério Público teria bastado para provocar a renovação do pedido.

11: Luiz Fux, ao cassar monocraticamente habeas corpus concedido por um colega, atua para agradar à galera — uma vez que a decisão é inócua; o bandido já fugiu — e leva a confusão para dentro do Supremo.

12: Atenção! Pode não ter sido esse o caso. Estou falando em tese: juízes e membros do MP que estão descontentes com o Parágrafo Único do Artigo 316 do Código de Processo Penal e com o trunfo da Constituição, que prevê execução da penal depois do trânsito em julgado, estão sabotando essas garantias democráticas e civilizatórias. E como o fazem? Permitindo, por ação ou omissão, que facínoras deixem a cadeia para tentar provar, então, que tais garantias são perniciosas.

13: Reitero: havia até junho do ano passado 253.963 presos provisórios no Brasil, à espera da eficiência do sistema judicial. A lei que está sendo contestada concorre ao menos para dar visibilidade a esses pobres desgraçados, cobrando que seus respetivos casos sejam periodicamente revistos. André do Rap está foragido por incompetência do Ministério Público.

Quanto ao ministro Marco Aurélio, dizer o quê? Em matéria penal, ele costuma ser um garantista. O garantismo não serve para soltar bandido que ameaça a sociedade. Ao fazê-lo, sem atentar para os desdobramentos — bastaria a tal consulta —, põe em risco uma lei que está correta, que impede o Estado de manter as pessoas presas indefinidamente.