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Reinaldo Azevedo

A boa fala de Pujol sobre militares e política e o que dizem os fatos

General Pujol oferece o cotovelo para Bolsonaro, como recomenda o protocolo da Saúde, que chegou cheio de alegria para cumprimentá-lo em solenidade militar, desprezando todas as medidas de precaução - Reprodução
General Pujol oferece o cotovelo para Bolsonaro, como recomenda o protocolo da Saúde, que chegou cheio de alegria para cumprimentá-lo em solenidade militar, desprezando todas as medidas de precaução Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/11/2020 07h05

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É melhor ter à frente do Exército um comandante que diga que os militares não devem se meter em política e que a política não deve se meter nos quarteis. Foi o que fez nesta quinta o general Edson Leal Pujol. Ele participou de uma live promovida pelo ID&S, sigla que identifica a área de Defesa e Segurança do IREE (Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa). Participaram da conversa Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, e o general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do GSI. Eles são, respectivamente, presidente executivo e presidente do Conselho do ID&S.

Ao tratar do envolvimento dos militares com a política, o general comentava uma afirmação de Jungmann, segundo quem "as Forças Armadas, como instituições permanentes de Estado, permanecem totalmente voltadas para suas missões profissionais e inteiramente dentro daquilo que determina a nossa Constituição".

Afirmou Pujol sobre essa questão:
"O Ministério da Defesa, as Forças Armadas, o nosso assunto é militar. As questões políticas, eventualmente o ministro [da Defesa] participa do lado político do governo, mas não nos metemos em áreas que não nos dizem respeito. Eventualmente o ministro [Fernando Azevedo e Silva] é chamado para opinar no conselho de ministros, nas reuniões ministeriais. Ele deve dar as suas opiniões a respeito, particularmente naqueles assuntos que têm reflexo nas Forças Armadas ou na possibilidade de emprego das Forças Armadas, mas não queremos fazer parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre no nosso quartel, dentro dos nossos quarteis. O fato de, eventualmente, militares serem chamados para assumir cargos no governo, [isso] é decisão exclusiva da administração, do Executivo. Eu recordo aí, no final do outro governo, o STF pediu e depois agora renovou, no final do ano passado, a presença de um general lá para trabalhar como assessor do STF. Não é porque vai tratar de assuntos militares. [É] porque ele acha que o perfil, a experiência, a formação, conhecimento do nosso país, que nós temos, de vários assuntos, a nossa formação acadêmica, que é muito diversificada, nos traz uma bagagem, que alguns setores da sociedade identificam como pessoas que podem ajudar no exercício de determinados cargos. O senhor nos conhece muito bem. Para dizer que, eventualmente, a assunção a um cargo público é como civil também, que tenha uma formação".

Sim, deveria ser óbvio, mas não tem sido. Não é sem certo desalento que me vejo obrigado a elogiar a fala do general. Os tempos, no entanto, andam estranhos. É bom lembrar que até o general Mark Milley, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA, o Número Um da maior potência militar do planeta, se viu na contingência de lembrar que, "no caso de uma disputa sobre algum aspecto das eleições, por lei, os tribunais e o Congresso são obrigados a resolver quaisquer disputas, não os militares dos EUA".

Vale dizer: tanto lá como aqui, a extrema direita se comporta como "vivandeiras alvoroçadas", que vão "aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar".

A fala do general, que raramente se manifesta, tem um contexto. No auge de sua pregação golpista, entre abril e junho deste ano, o presidente Jair Bolsonaro sugeria nas entrelinhas que contava com apoio militar para, se necessário, dar um autogolpe. Depois que Fabrício Queiroz foi preso, ele interrompeu a escalada retórica e foi procurar abrigo no Centrão. O presidente parece viver um novo surto, preocupado com o cerco legal a Flávio Bolsonaro.

Apoio o norte conceitual expresso pelo general, mas sou reverente aos fatos. Os militares atravessaram a rua para fazer política quando seu antecessor, Eduardo Villa Boas, ameaçou o Supremo com um golpe — e ele próprio deixou claro que assim era em entrevista posterior — no dia 3 de abril de 2018 caso se concedesse um habeas corpus a Lula, como, note-se, exigia a Constituição.

Nove ministros de Bolsonaro têm origem nos quarteis. O titular da Saúde é um general da ativa, o que me parece inaceitável, e o mais político dos ministros — aquele que distribui cargos e verbas — é um general também. Luiz Eduardo Ramos saiu do Comando Militar do Sudeste para fazer a coordenação política do governo. O titular da Casa Civil é outro general, Braga Netto, oriundo do Estado-Maior do Exército. Ambos foram para a reserva, mas chegaram como homens da ativa.

Por tudo que sei, Pujol é um homem sério. Tanto é assim que Jair Bolsonaro se mobilizou para tentar tirá-lo do comando. A jogada acabou não dando certo. Pujol abraçou sem restrições, no que lhe coube fazer, o combate à Covid-19, por exemplo, e não participa das chicanas do presidente. Não obstante, lá está um militar da ativa à frente do Ministério da Saúde, no comando de uma política desastrosa de enfrentamento da doença.

Sem dúvida nenhuma, o comandante do Exército diz a coisa certa ao marcar um distanciamento da política. Falta agora que os militares efetivamente se distanciem da... política, como ele próprio e Jungmann afirmam.

SUPREMO
Confesso que até hoje não alcancei o sentido de haver um general assessorando a Presidência do Supremo. É tão conveniente como termos um jurista na linha de frente de uma operação militar. Vejo como um exotismo e uma desnecessidade.

Juízes certamente precisam, muitas vezes, de informações da área militar até para tomar uma boa decisão. Podem ter de arbitrar sobre temas que exigem essa expertise. Ora, receberiam os dados das Forças Armadas. Da mesma sorte, convém que os militares tenham — e têm — assessoria jurídica; afinal, os militares se subordinam às leis, mas os juízes não se subordinam aos militares, certo?

Fernando Azevedo e Silva saiu da assessoria do Supremo para o Ministério da Defesa. Isso não impediu que sobrevoasse, no dia 24 de maio, a Esplanada dos Ministérios, em companhia do presidente, quando militantes bolsonaristas, em terra, defendiam o fechamento do tribunal e do Congresso. Cobrado a dar explicações, o ministro respondeu 24 horas depois que estava apenas "checando as condições de segurança do local". Soou como provocação.

A fala do general Pujol aponta, sim, para um bom lugar. É preciso, sim, retirar os militares da política para que a política não invada os quarteis.