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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro erra até quando acerta: desmatamento prejudica o bom agronegócio

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/11/2020 06h36

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O governo de Jair Bolsonaro é tão bagunçado como o seu cérebro. É impossível saber exatamente o que pensa o presidente, e é claro que isso tem reflexo direto na gestão. Afinal de contas, para que lado caminhar, fazer o quê? Notem: em tese ao menos, quando o chefe de uma nação se pronuncia num organismo multilateral ou num foro que reúne um grupo de países, ele o faz de forma elaborada, pensada, depois de consultar seus ministros.

Assim agiu o presidente do Brasil na reunião virtual entre os chefes de estado do grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)? A resposta é "não". No máximo, Ernesto Araújo, o chanceler tresloucado, ocupou-lhe o vácuo mental com algumas teses conspiratórias, e assessores do ódio lhe sopraram aos ouvidos algumas indignidades. E lá foi o valentão a anunciar que, em breve, denunciaria os países que compram madeira ilegal do Brasil.

Nas suas palavras:
"Revelaremos nos próximos dias os nomes dos países que importam essa madeira ilegal nossa através da imensidão que é a região amazônica (...). Porque, daí, sim, estaremos mostrando que estes países, alguns deles que muitos nos criticam, em parte têm responsabilidade nessa questão".

O comércio internacional e ilegal de madeira existe e tem de ser combatido. Mas a responsabilidade é das empresas que o fazem, não dos países. Havendo necessidade de cooperação entre governos, as diplomacias se falam. Ou, então, os respectivos órgãos de repressão da ilegalidade se comunicam. O tema, diga-se, nem mesmo integra a pauta do Brics.

Nesta quinta, na sua tradicional live para cada vez menos gente, Bolsonaro recuou:
"Nós temos aqui os nomes das empresas que importam isso e os países a que elas pertencem. A gente não vai acusar o país A, B ou C de estar cometendo um crime. Mas empresas desses países, sim. Isso já está em processo. Isso vai se avolumar, no meu entender, ao ponto tal que se tornará não atrativa a importação de madeira ilegal".

E ainda:
"Quando nós conseguirmos chegar a bom termo nessa questão, vai diminuir drasticamente o desmatamento no Brasil. Nós temos aqui o montante de madeira que é exportada por ano. E, só nesse contexto, já vê que não sai de área de manejo. Obviamente, tem também de reserva indígena em área de proteção ambiental. Esse é um grande sinalizador".

Pois é. Estava acompanhado do ministro da Justiça, André Mendonça, e do superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva. Há uma falácia aí. O país exporta de 10% a 15% da madeira que extrai. A maior parte é consumida no mercado interno. Ainda que se zerasse a exportação de madeira ilegal, o impacto sobre o desmatamento seria pequeno porque a sua causa principal não é a demanda externa pelo produto. O presidente falou aquela bobajada apenas porque estava interessado em transferir culpas, seu esporte predileto.

SEM ABANDONAR A CONSPIRAÇÃO
Pergunta óbvia: Bolsonaro acertou com a cúpula do governo o discurso que faria no encontro do Brics? Conversou com o ministro da Economia, com o chefe da Casa Civil ou com o titular da Justiça, que ontem estava na live, como ornamento duvidoso? Provavelmente não! Falou o que deu na veneta.

Nesta quinta, como se viu, recuou da posição acusatória, mas continua abraçado a alucinações conspiratórias. Voltou a dizer que as acusações sobre desmatamento no Brasil refletem interesses comerciais em razão de nossa pujança agropecuária. Citou uma proposta sob consulta pública no Reino Unido, abraçada pelo governo do direitista Boris Johnson — e é verdade — que proíbe cadeias de supermercados e restaurantes de vender produtos associados ao desmatamento.

Afirmou, então, Bolsonaro:
"Aí, (cortaria) soja, café, açúcar, borracha, seja lá o que for, de países que praticam o desmatamento. E o ano que vem, novembro do ano que vem, teremos um encontro da cúpula europeia sobre mudanças climáticas. E esse assunto vai falar alto lá. Daí outros países podem adotar a mesma coisa. A intenção é sempre nos deixar isolados naquilo que nós temos na nossa economia, que é o mais pujante, que é a locomotiva da nossa economia, que é o agronegócio."

Vale dizer: Bolsonaro sabe que o problema e o risco existem, mas ele os enxerga pelo avesso. O agronegócio brasileiro não depende de área desmatada para ocupar a liderança no mundo. Justamente porque as disputas comerciais existem, não se deve oferecer pretexto para retaliações. Não são os países europeus que ameaçam o nosso agronegócio, mas os desmatadores e incendiários de florestas, que prosperam à sombra da irresponsabilidade do seu governo e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O Brasil não precisa de uma só árvore derrubada ilegalmente para ser competitivo no agronegócio. Quanto mais ambientalmente correto for, mais competitivo será. Basta seguir à risca o Código Florestal. Mas Bolsonaro e seus arruaceiros ambientais não reconhecem o óbvio.