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Reinaldo Azevedo

4 do STF evitam perigo de um Fux em solidão. E liminar ilegal faz 11 meses

Luiz Fux, presidente do Supremo. É desejável que não fique mais de um mês como o Napoleão do STF. Mesmo imperadores de verdade têm de cultivar a temperança... - Fellipe Sampaio / STF
Luiz Fux, presidente do Supremo. É desejável que não fique mais de um mês como o Napoleão do STF. Mesmo imperadores de verdade têm de cultivar a temperança... Imagem: Fellipe Sampaio / STF

Colunista do UOL

21/12/2020 06h58Atualizada em 21/12/2020 15h50

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Quero aqui me juntar ao coro das pessoas sensatas que elogiaram a decisão de quatro ministros do Supremo — Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes — que anunciaram que vão continuar a despachar durante o recesso do Poder Judiciário. Creio que o fizeram porque julgaram a decisão compatível com as dificuldades enfrentadas pelo país. É claro que isso retira um tanto do poder imperial que Fux concentraria por pouco mais de um mês. É uma consequência da escolha feita por aqueles ministros. Não quer dizer que tenha sido esse o intento. Mas digamos que fosse: então a decisão seria ainda mais elogiável.

Fux não tem demonstrado o equilíbrio e a serenidade necessários para liderar a Corte nem quando os 11 trabalham normalmente. Tanto pior seria se, sozinho, valesse por todos. O caso do juiz de garantias é mais do que uma ilustração da falta de condições técnicas de ocupar a função que ocupa. Estamos diante de um emblema dessa incapacidade. Ao se negar a pautar o assunto, o presidente do Supremo descumpre tanto a lei como a palavra empenhada. Mais: demonstra ânimo para a retaliação. Pior: a parte ainda renitentemente lavajatista da imprensa — e, pois, condescendente com práticas criminosas que são do seu interesse — se encarrega de veicular mentiras grotescas sobre o assunto. Vamos ver.

UM POUCO DE HISTÓRIA
Há o que Fux fala, e há o que Fux faz. E uma coisa não coincide com outra, sempre a serviço de seus particularíssimos pontos de vista. Nos primeiros dias de seu mandato, resolveu pôr em votação uma proposta para retirar das respectivas Turmas as ações penais, que passaram, então, a ser submetidas sempre ao pleno. Seus puxa-sacos oficiais e oficiosos propagandearam: tratava-se de uma vitória da Lava Jato. Afinal, Edson Fachin, o despachante da força-tarefa no STF, vinha sofrendo sucessivas derrotas na Segunda Turma com seu punitivismo ensandecido. No pleno, quem sabe suas chances sejam maiores... Fux parecia ter uma necessidade quase patológica de evidenciar que não preside um tribunal, mas que o comanda -- o que é falso, note-se, embora o presidente tenha, sim, bastante poder.

Ato contínuo, o doutor saiu tonitruando por aí, com retórica pastosa bastante característica, que o Supremo seria, doravante, o tribunal do colegiado. Nas suas palavras:
"O Supremo do futuro é o supremo que sobreviverá realizando apenas sessões plenárias. Será uma corte em que sua voz será unívoca. Em breve, nós desmonocratizaremos o STF, [para] que as suas decisões sejam sempre colegiadas, em uma voz uníssona, daquilo que a corte entende sobre as razões e os valores constitucionais".

Fux diz coisas que não faz e faz coisas que não diz.

No dia 24 de dezembro de 2019 — aniversário de um ano na próxima quinta —, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o pacote anticrime, elaborado e aprovado pelo Congresso, que previa a instituição do juiz de garantias: o juiz que julga não será o mesmo que instrui o processo. Não é a certeza de que o sistema acusatório vigente no Brasil funcionará às mil maravilhas, mas é um empecilho a mais para que se criem, no futuro, excrescências como Sérgio Moro e outras deformidades hipertrofiadas da musculatura do Judiciário brasileiro. O lavajatismo, claro!, não gostou porque sabe como foram importantes as relações impróprias entre o então juiz e hoje empresário Sérgio Moro e o Ministério Público Federal no robustecimento de uma farsa chamada Lava Jato.

Bem, Fux não teve dúvida: no dia 22 de janeiro, na chefia do plantão do STF (era vice-presidente, e Toffoli, o presidente, havia se afastado por alguns dias), concedeu uma liminar atendendo a pedido em Ação Direta de Inconstitucionalidade e suspendeu sem prazo a instalação do juiz de garantias.

Amanhã, pois, faz precisamente um ano que o senhor Luiz Fux senta sobre uma decisão que contraria a vontade esmagadora do Congresso Nacional, a quem cabe fazer leis. Pior: Isso que ele faz é ILEGAL.

Dispõe o Artigo 10 da Lei 9.868:
"Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias."

Sim, Fux concedeu a liminar durante o recesso. Encerrado o dito-cujo, sua obrigação era ter levado a decisão a plenário. A liminar, pois, que está em vigência é, de fato, ilegal. Assim, temos um presidente da Corte que se nega a levar ao pleno uma liminar que suspende a eficácia de uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República. E ele o faz... contra a lei! Não é fabuloso?

HABEAS CORPUS
É do balacobaco! O homem do colegiado, aquele que retirou das turmas as ações penais (O QUE ERA LEGAL, DIGA-SE), que afirma querer um tribunal unívoco, este mesmo senhor trancou num cofre uma liminar, concedida no âmbito de uma ADI, O QUE É ESCANCARADAMENTE ILEGAL.

Pois bem: o presidente do tribunal divulgou a pauta do primeiro semestre. E não incluiu o juiz de garantias. Segundo se comenta no seu entorno, ele até iria fazê-lo, mas teria mudado de ideia em retaliação a advogados do Instituto de Garantias Penais, que recorreram ao Supremo com um habeas corpus contra a sua liminar. Ele, por óbvio, não pode ser o relator de um HC contra decisão que ele próprio tomou.

A jurisprudência da Corte é bamba sobre se cabe ou não HC contra decisão monocrática. Já se disse que não. Mas também já se afastou o óbice. Consta que, bravinho com os advogados, o doutor retirou o tema da pauta, decidindo prolongar a flagrante ilegalidade do seu ato.

MENTIRA
Tão logo esse HC bateu no Supremo, uma máquina de mentiras de fazer inveja ao esquema que serve o bolsonarismo nas redes sociais mas aí com a chancela de jornalistas supostamente sérios, passou a veicular a mentira grotesca de que a eventual derrubada da liminar do ministro implicaria soltura em penca de presos. Mentira deslavada. Safadeza. Militância obscurantista.

A cassação da liminar de Fux não torna ilegais decisões tomadas por magistrados país afora. Até porque o modelo do juiz de garantias precisa ainda ser implementado, coisa que sua decisão impede. A ser assim, se o pleno vier a derrubar sua medida cautelar, isso significaria, então, retroagir para tornar sem efeito decisões judiciais? Isso é um despropósito.

Essa história de que presos seriam soltos se a decisão de Fux caísse é a "chupeta de piroca" do subjornalismmo lavajatista, que, não obstante, se considera muito diferente das páginas sujas que servem ao bolsonarismo.

CONCLUO
Assim, resta-me saudar o fato de que ao menos quatro outros ministros vão trabalhar no recesso, além de Fux. É pouco confiável um ministro que diz o que não faz e que faz o que não diz. Pior: amanhã faz 11 meses que estão em vigor os efeitos de uma liminar sua que contraria frontalmente a lei. E ele já avisou que, por ele, nada muda até meados do ano que vem.

Como houve quem reagisse ao despropósito, o ministro resolveu retaliar reiterando a ilegalidade.

CORREÇÃO
A liminar concedida por Luiz Fux completa 11 meses nesta terça, não um ano, como estava no texto. Não muda a indignidade, é claro!