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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Será que militares são viciados em humilhação, apoiando ato de força? Não!

Fernando Azevedo e Silva é sumariamente demitido da Defesa. Bolsonaro parece gostar de tratar generais aos tapas. No destaque, Edson Leal Pujol, que ele quer fora do comando do Exército - Marcelo Camargo/Agência Brasil; Reprodução
Fernando Azevedo e Silva é sumariamente demitido da Defesa. Bolsonaro parece gostar de tratar generais aos tapas. No destaque, Edson Leal Pujol, que ele quer fora do comando do Exército Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Reprodução

Colunista do UOL

30/03/2021 07h21

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O presidente Jair Bolsonaro mexeu em seis pastas do governo. Demitiu dois, remanejou dois e agregou dois outros nomes. Conseguiu, com a mexida:
1 - agradar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com a nomeação de Flávia Arruda para a Secretaria de Governo;
2 - fazer um desagravo ao Congresso como um todo, em particular ao Senado, ao demitir Ernesto Araújo;
3 - transformar de novo a AGU num puxadinho do Palácio do Planalto, ao devolver André Mendonça ao cargo, nomeando para a Justiça um delegado, "amigo dos meninos": Anderson Torres;
4 - fazer marketing do terror.

O MARKETING DO TERROR
Falemos um pouco do marketing do terror. Para surpresa do próprio então ministro, das Forças Armadas e de todo o mundo político, o presidente demitiu Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa. O homem é respeitado por seus pares em razão de sua carreira militar, mas também por seu trânsito nos bastidores do poder. Foi a sua intervenção discreta que, incrivelmente, transformou num não-assunto, inclusive na imprensa, a generosa reforma da Previdência para os militares. Nas armas e no soldo, sempre foi eficaz.

Trocar Azevedo e Silva por quê? Porque Bolsonaro queria que o noticiário fosse inundado, e foi, pela enxurrada de suspeitas de que ele pretende dar um golpe ou, então, decretar estado de sítio ou de defesa, medidas com as quais o general não condescenderia.

Bem, não especulo sobre golpe. Se dado, cessa tudo o que antiga musa canta. Estamos em 1964? Vamos às outras duas hipóteses, previstas na Constituição. Em ambos os casos, a medida tem de ser aprovada pelo Congresso. Mas não é só. Tudo o que a Carta abriga está sujeito a um controle de constitucionalidade, que é feito pelo Supremo.

Indaga-se: nas atuais circunstâncias, recorrer-se-ia a uma coisa ou outra com que propósito e por que razão? Então basta um governante alegar qualquer coisa, ter maioria no Congresso e sair botando o terror? Mas contra quem exatamente? Contra os governadores? Conta os doentes? Contra os vírus?

Bolsonaro não gosta do agora demissionário comandante do Exército, Edson Leal Pujol. O general nunca lhe deu muita trela. Nem parece especialmente vocacionado para ser cortesão. O presidente já havia pedido a sua cabeça a Azevedo e Silva mais de uma vez. Não levou. Sabe que, enquanto Pujol estiver lá, a cascata de que pode pôr o "seu Exército" na rua não cola.

Mais: ainda que Azevedo e Silva tenha se portado mal algumas vezes para atender aos desejos do chefe — endossou nota ameaçadora de Augusto Heleno e sobrevoou ato golpista em helicóptero militar, ao lado de Bolsonaro —, seria, além de impossível, inverossímil uma aventura militar enquanto estivesse na Defesa.

ENTÃO O QUE QUIS BOLSONARO?
O que pretendeu Bolsonaro ao demitir o oitavo general -- e, desta vez, um medalhão mesmo? Dar um susto, fazer o marketing do terror. Anunciar, ainda que em silêncio: "Se eu quiser, eu posso. Vejam aqui o que faço com Azevedo e Silva". Na esfera psicológica, o capitão indisciplinado, que flertou com a subversão quando na ativa, passava no pente mais um ombro agaloado.

Deslocou para o seu lugar o general Braga Netto, que estava sem fazer nada na Casa Civil — que, na prática, inexiste —, com fama de fazer tudo o que seu mestre mandar. No caso, esse general seria fiel ao capitão indisciplinado. Mas fiel exatamente para quê? Digamos que Pujol não tivesse colocado o cargo à disposição, como colocou: Braga Netto daria nele um chega pra lá? Iria destituí-lo?

Entre generais do Exército, a menos que se esteja numa aventura golpista, a coisa não se dá desse modo. Tanto é assim que o próprio Pujol se reuniu em seguida com os respectivos comandantes das outras duas Forças — Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) —, e os três puseram os cargos que ocupam à disposição do novo ministro da Defesa.

EFEITO CONTRAPRODUCENTE
O efeito, se querem saber, é contraproducente. Ainda que o Exército seja o centro de gravidade das Forças Armadas, as outras duas não existem apenas como enfeites. Os outros dois comandantes expressaram a sua solidariedade a Pujol -- que já está fora mesmo --, e o trio deixou clara a sua lealdade a Azevedo e Silva. Notem: não é a lealdade de quem vai afrontar Braga Neto, mas a de quem diz: "Por aqui, não haverá aventuras".

Não deixa de ser curiosa a leitura corrente de que Azevedo e Silva saiu porque resistiu a abordagens de Bolsonaro para o uso das Forças Armadas para conter lockdowns nos Estados: em primeiro lugar, porque tal medida não foi imposta em estado nenhum; em segundo lugar, porque o Supremo já se manifestou mais de uma vez sobre a competência concorrentes dos entes federativos na imposição de medidas restritivas.

Um general acaba de deixar o Ministério da Saúde, levando nas costas mais de 300 mil mortos — e o país segue em marcha ainda acelerada para os 400 mil. Que papel repressivo poderiam ter as Forças Amadas fora de um golpe? Os estados de defesa e de sítio, reitero, dependem da aprovação do Congresso — e, ainda assim, são passíveis de questionamento no Supremo.

SEM TUTELA
Bolsonaro teve de se livrar de uma cereja do reacionarismo mais tacanho: Ernesto Araújo. Ele é tudo aquilo com que a extrema direita mais rombuda sempre sonhou. Diz os disparates assombrosos, mas tem certa reputação de homem intelectualmente preparado.

O Centrão aumenta o peso relativo no seu governo. As negociações com a base de apoio estarão, como nunca, sob a supervisão de Arthur Lira. Como manter, para o seu eleitorado, a impressão de que está no comando e de que pode, bastando querer, dar um murro na mesa?

Pois é... Bolsonaro resolveu, então, derrubar o comandante do Exército. Para efetuar essa manobra, teve de alvejar também o ministro da Defesa. Considerando que nem os adversários de direita nem os de esquerda andam a bulir com os granadeiros, o único fator hoje de instabilidade nas Forças Armadas é o próprio presidente.

E, como fica claro mais uma vez, ele tem especial predileção por vitimar generais.

Então agora pode dizer a seus fanáticos; "Viram? Ninguém me tutela. É o meu Exército! Se quiser, dou golpe, decreto estado de defesa ou de sítio, pinto e bordo".

Mas cumpre perguntar e responder: "É assim mesmo?"

Resposta: "Não"!

Veja também comentário do Reinaldo Azevedo sobre o tema aqui.