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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bruno foi exemplo de valentia e elegância, mas à imprensa faltou coragem

Bruno Covas e Ricardo Nunes no destaque. Sobrou coragem ao prefeito que enfrentou o câncer sem omitir informações. A imprensa pode ter falhado - Reprodução/Instagram; Tiago Queiroz/Estadão
Bruno Covas e Ricardo Nunes no destaque. Sobrou coragem ao prefeito que enfrentou o câncer sem omitir informações. A imprensa pode ter falhado Imagem: Reprodução/Instagram; Tiago Queiroz/Estadão

Colunista do UOL

15/05/2021 14h32

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Algumas palavras definem o comportamento de Bruno Covas neste ano e meio em que lutou por sua vida: contenção, elegância, comedimento. Em nenhum momento usou o drama pessoal para fazer politicagem. E isso é o mais difícil nestes tempos de superexposição nas redes sociais. Também evitou baratear seu sofrimento, que era grande.

O prefeito foi alvo, há alguns meses, de uma patrulha estúpida nas redes sociais, a exemplo de toda patrulha. No dia 30 de janeiro, foi visto no Maracanã, de máscara, em companhia do filho, na final da Libertadores. Estava licenciado da Prefeitura — com retorno marcado para o dia 1º de fevereiro —, e viu o Santos, o time de ambos, ser derrotado por um a zero pelo Palmeiras.

Como a cidade de São Paulo estava, então, sob medidas restritivas em razão da explosão de casos de Covid-19, sua ida ao jogo foi vista como exemplo de incoerência, de "façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço". No dia 1º de fevereiro, no programa "O É da Coisa", que ancoro diariamente na BandNews FM, apontei a irreflexão da crítica e a sua estupidez essencial. Convidei os detratores de Bruno a ter um mínimo de elegância com a vida.

Bastava olhar as fotos que se multiplicavam nas redes, acompanhadas, não raro, de comentários os mais cretinos e ressentidos, para perceber que o prefeito assistia, em companhia do filho, a uma espécie de jogo de despedida. As tais medidas não buscavam proteger a administração do Estado ou a da Prefeitura. As beneficiárias eram as pessoas. O prefeito, que já havia contraído a Covid-19, estava de máscara. Sempre contou com a expertise de médicos competentes. E soube desde o primeiro dia que a literatura médica é pouco animadora em casos como o seu. Não se furtou a acompanhar o filho a um jogo de despedida. E fez muito bem.

No Instagram, escreveu:
"Depois de 24 sessões de radioterapia meus médicos me recomendaram 10 dias de licença para recuperar as energias. Isso foi até a última quinta (28/01). Resolvi tirar mais 3 dias de licença não remunerada para aproveitar uns dias com meu filho. Fomos ver a final da libertadores da América no Maracanã, um sonho nosso. Respeitamos todas as normas de segurança determinadas pelas autoridades sanitárias do RJ. Mas a lacração da Internet resolveu pegar pesado. Depois de tantas incertezas sobre a vida, a felicidade de levar o filho ao estádio tomou uma proporção diferente para mim. Ir ao jogo é direito meu. E? usufruir de um pequeno prazer da vida. Mas a hipocrisia generalizada que virou nossa sociedade resolveu me julgar como se eu tivesse feito algo ilegal. Todos dentro do estádio poderiam estar lá. Menos eu. Quando decidi ir ao jogo, tinha ciência que sofreria críticas. Mas, se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila."

Seu texto é correto e sensato. Bruno não estava roubando nada dos moradores de São Paulo sujeitos a restrições. Não tinham sido implementadas em proveito do prefeito. O contraste não estava no exercício do privilégio de um poderoso em detrimento da liberdade dos oprimidos. A antítese era outra. As medidas restritivas foram impostas em defesa da vida. O prefeito estava se preparando para a morte. Em seu lugar, pela felicidade das minha filhas — e desde que em prejuízo de ninguém, como era o caso —, eu teria feito a mesma coisa e enfrentado, igualmente, a patrulha.

Bruno, afinal, não era um arruaceiro como Jair Bolsonaro.

Há um outro reconhecimento necessário: sua doença jamais foi um assunto secreto. O diagnóstico sempre foi claro e público, e todas as etapas do tratamento foram detalhadas. O texto que reproduzo acima evidencia que Bruno jamais apelou ao "coitadismo". Não usou o drama pessoal para fazer populismo barato.

Há, não obstante, outra questão relevante. E esta diz respeito a nós, da imprensa profissional, não a Bruno e aos políticos.

A DIMENSÃO PÚBLICA
A vida de pessoas públicas -- refiro-me às que exercem o poder por meio do voto ou de processos derivados do voto -- não diz respeito só a elas. Políticos também têm ônus. O pior, a meu ver, é a perda da privacidade. Eis uma escolha que eu jamais faria. Pratico, no limite do que é possível na vida em sociedade, o exercício da vontade e da convicção. Dou pouca bola ao escrutínio da galera. A minha vida diz respeito a mim. E ponto.

Mas não é nem pode ser assim com os políticos. A imprensa noticiou, em detalhes, a doença de Bruno. Nunca se escondeu de ninguém que o quadro era grave. Tanto quanto louvo a transparência nas informações e a extrema elegância com que se portou o prefeito, registro que não dispensamos — nós, da imprensa — um olhar objetivo sobre as consequências da sua decisão de disputar a reeleição e as implicações derivadas caso fosse, como foi, bem-sucedido no embate.

Não era raro que se conversasse — mas sem que jamais se escrevesse ou falasse (e não me excluo da crítica) — sobre a possibilidade de que a reeleição de Bruno implicava entregar a Prefeitura de São Paulo a um relativamente obscuro Ricardo Nunes, cuja experiência política se resume a dois mandatos como vereador.

A atuação que lhe garantiu mais projeção, ainda em 2015, foi sua oposição à dita inclusão de temas de "gênero" no Plano Municipal de Educação. Sabemos bem em que termos esse debate costuma ser feito. Vamos ver. Já se fala que, depois de Rodrigo Garcia, vice-governador que migrou do DEM para o PSDB, Nunes pode ser o próximo a ingressar no ninho tucano, deixando o MDB.

Volto ao ponto. Faltou à imprensa a devida objetividade — que é sempre elucidativa —, destacando que era, sim, grande a possibilidade de que Nunes viesse a assumir a Prefeitura. Não creio que os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas — a maioria formada por também eleitores — tenham sido devidamente despertados para a questão.

Sim, o assunto era delicado. E ainda não aprendemos a lidar com ele. Qualquer movimento dos adversários nesse sentido teria recebido, é quase certo, o repúdio de uma larga maioria. E, assim, aconteceu de sermos todos, na imprensa, eloquentes e palavrosos sobre a doença de Bruno, mas muito sucintos, quando não fomos omissos, sobre as consequências políticas e administrativas de sua eventual reeleição.

É claro que lamento profundamente a, enquanto escrevo, irreversibilidade do quadro de saúde do prefeito.

Não lhe faltou coragem.

A nós, da imprensa, faltou um pouco, sim!