Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A "primeira privatização" de Guedes é o retrato do capitalismo de compadrio

Wallpaper.com
Imagem: Wallpaper.com

Colunista do UOL

18/06/2021 06h15

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Paulo Guedes queria uma privatização pra chamar de sua — como esquecer aquele R$ 1 bilhão, não é mesmo? — nem que fosse essa estrovenga feita com a Eletrobras. O objetivo do processo de capitalização da empresa é fazer com o que o Estado reduza a sua participação dos atuais 61% para 45%, e a gestão passa a ser privada. Quem entende do riscado calcula que os dinossauros — que jabutis não são — enfiados no texto podem elevar o custo da operação a R$ 84 bilhões — incluindo os impostos.

Como? Capitalização — que estão chamando de "privatização" — a um custo bilionário? É o jeito que tem o governo Bolsonaro de fazer as coisas. O Jurassic Park foi aprovado no Senado por 42 a 37. O texto agora volta para a Câmara. Na terça, expira a Medida Provisória original, que resultou no projeto de lei de conversão.

A MP original era decente. Houvesse um governo de fato, com boa interlocução no Congresso, que não operasse só por intermédio de trocas e pressões, haveria um esforço para mantê-lo com alterações mínimas. Acontece que não há. E a tal da "MP da Privatização", como era chamada, começou a receber tiranossauros, brontossauros... Até pterodáctilos apareceram.

Não! Não haverá a obrigatoriedade de compra de 6 GW de energia de termelétricas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, conforme previu o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator na Câmara. Marcos Rogério (DEM-RO), o relator no Senado, aumentou para 8 GW. Previu as ditas-cujas também no Triângulo Mineiro. Aumentou o custo. O senador teve a gentileza de retirar do texto a extensão do subsídio às termelétricas a carvão de 2027 para 2035.

As 45 associações ligadas à indústria, reunidas no grupo União pela Energia, já haviam estimado em R$ 41 bilhões o custo das mudanças feitas na Câmara. Com as acrescidas pelo Senado, o cálculo vai a R$ 56 bilhões. Com impostos e benefícios setoriais, chega-se aos R$ 84 bilhões. Quem vai pagar a conta? O consumidor. Em nota, o grupo União lamentou:
"Infelizmente, os chamados jabutis da MP da Eletrobras prosperaram, se reproduziram e vão onerar os consumidores por décadas".

"Atribuir ao Legislativo a atividade de planejamento, que é de cunho técnico, e interferindo no papel do MME [Ministério de Minas e Energia], da EPE [Empresa de Pesquisa Energética] e das diretrizes de politica energética do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], é um sinal ruim e introduz instabilidade regulatória", afirmou à Folha o presidente da consultoria PSR Energy, Luiz Barroso.

Não se está aqui a advogar que o Congresso não se meta no assunto. No caso das empresas-mãe, o Parlamento tem a última palavra em matéria de privatizações e capitalizações que levam à perda do controle de empresas. O problema está em jogar no mercado do voto um tema que demanda expertise técnica. Há um dado emblemático da irresponsabilidade.

O lobby do gás já havia conseguido emplacar as tais termelétricas nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte — e gasodutos terão de ser construídos. Como havia o risco da não-aprovação, inclui-se o Triângulo Mineiro. Esse detalhe, sozinho, elevou o custo em mais R$ 15 bilhões. O texto obriga ainda a compra de 2 GW das pequenas centrais hidrelétricas.

O texto traz, por exemplo, a abertura total do mercado até 2026. Em tese, os consumidores poderão escolher seu próprio fornecedor de energia. Há quem preveja desordem no setor. Os grandes consumidores podem até ter condições de fazer as suas escolhas, mas como será para o consumidor doméstico? Vem por aí um cipoal legiferante que vai, literalmente, gerar mais calor do que luz. A dita "privatização", como está, bagunçou o que não ia muito bem. E não é de estranhar que assim seja. O governo deveria ter acompanhado cada passo da tramitação da MP. Mas não o fez. Agora é esperar a conta chegar.

Eis o capitalismo à moda de alguns dos nossos liberais. Primeiro o Estado garante as mamatas e atende aos lobbies. Depois se distribui o prejuízo com o distinto público.

IBAMA E FUNAI
E podem contar que uma das emendas aceitas por Marcos Rogério vai parar no Supremo. O linhão que liga Manaus a Boa Vista, leiloado em 2011, mas que nunca saiu do papel também em razão da oposição das comunidades indígenas por onde ele passaria, ganhou agora um caminho mais curto.

Diz trecho da emenda acatada por Rogério:
"Uma vez concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas, fica a União autorizada a iniciar as obras do Linhão de Tucuruí".

Na prática, Ibama, Funai e os próprios índios são excluídos na negociação. Bem, o troço agride:
- os artigos 225 e 231 da Constituição;
- a Lei 5.371/67;
- a Lei 6.001/73;
- a Convenção 169 da OIT;
- a Resolução 237/97 do Conama;
- a Portaria Interministerial 60/2015;
- o decreto que instituiu o Pngati (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas).

Isso à parte, tudo bem...