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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Moro já se depara com sua real biografia; empresa nega pressão por seu nome

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro: pois é, ele também está tendo encontros marcados com o seu verdadeiro legado para o mundo do direito. E é um desastre - Lula Marques/Agência PT
O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro: pois é, ele também está tendo encontros marcados com o seu verdadeiro legado para o mundo do direito. E é um desastre Imagem: Lula Marques/Agência PT

Colunista do UOL

22/06/2021 04h38

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A responsabilização de Sergio Moro e de suas escolhas na tragédia institucional que colheu o Brasil está só no começo. E, por óbvio, ainda será preciso, a seu tempo, chamar outros atores. O desastre que nos colheu, está cada vez mais claro, decorre do vale-tudo que se instaurou no devido processo legal, de modo que o voluntarismo, o salvacionismo e o messianismo tomaram o lugar das regras do jogo. Ainda não se sabe em que medida essas, digamos, mediações místicas esconderam interesses privados.

Um dia antes de mais uma fantasia da Lava Jato (ou dela derivada) ser arquivada pela Justiça Federal — uma denúncia contra o ex-presidente Lula e outros no âmbito da Operação Zelotes —, o Conpedi (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) veio a púbico para informar o cancelamento do painel "O papel do setor privado em políticas anticorrupção e de integridade", que ocorreria na próxima sexta. E por quê?

Seu coordenador, ainda que pudesse ser estupefaciente, era ninguém menos do que o ex-juiz e atual suposto empresário ou consultor (já explico) Sergio Moro.

Tão logo a notícia veio a público, houve um verdadeiro levante no mundo acadêmico. Todos se lembram do que ele fez no verão de 2020, de 2019, de 2018, de 2017, de 2016... E vocês podem ir recuando à vontade no tempo, chegando, quem sabe?, ao momento em que seu destino se cruzou a primeira vez com o de Alberto Youssef, o delator do caso Banestado, naquele longínquo de 2002... O doleiro fez, então, delação premiada e nunca parou de delinquir, como é sabido. E Moro lhe deu uma nova oportunidade em 2014. Com a nova delação — e o que ela desencadeou —, o então juiz alcançou os píncaros da glória.

DESASTRE
De atropelo em atropelo ao devido processo legal, provocou-se um terremoto permanente na vida pública brasileira, levou-se à lona o setor de construção pesada no país, aboliram-se as regras do devido processo legal, provocou-se uma razia na política, tentou-se emparedar o próprio Judiciário, reduziu-se a política a escombros, e, da terra arrasada, eis que se alevantou Jair Bolsonaro -- com o apoio, sim, de figurões da Lava Jato. Não por acaso, depois de ter tido papel definitivo na inelegibilidade de Lula, Moro foi ser ministro de Jair Bolsonaro. Compactuou com parte do horror que o seu chefe implementou e só pediu para sair quando viu frustrados seus planos políticos.

Era essa figura deletéria que apareceu, santo Deus!, para "coordenar" um painel? Não seria difícil apontar a sua eficiência na destruição nada criativa... Moro e o setor privado... Eis uma parceria sempre explosiva. Em novembro do ano passado, o doutor foi anunciado como sócio-diretor da gigante Álvarez & Marçal. Teria muito a contribuir com os clientes da empresa na área de "compliance".

Ocorre que a empresa era a administradora oficial da Odebrecht no processo de recuperação judicial. Em março deste ano, o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, suspendeu os pagamentos do grupo brasileiro à Alvarez & Marsal até que o TCU investigue eventual conflito de interesses.

Em abril, cinco meses depois do anúncio pomposo de seu novo sócio, a empresa americana contou outra história ao tribunal. Moro já não seria mais diretor. Moro já não seria mais sócio. Moro seria mero consultor. E asseverou: "A remuneração do Sr. Sergio Moro decorre tão-somente dos honorários pagos pela empresa cliente nos específicos casos em que está autorizado a atuar e com base na efetiva prestação de serviços como consultor".

Ah, bom...

MANIFESTO DE PROTESTO
No domingo, o Conpedi anunciou o cancelamento do evento que seria coordenado por Moro. Ainda assim, nada menos de 130 acadêmicos, como informou a Folha, redigiu um manifesto de protesto em razão convite feito. Diz:

"Nós, juristas, professores e professoras de programas de pós-graduação em direito do Brasil, de Universidades públicas, confessionais, comunitárias e privadas, vimos a público repudiar a decisão do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, o CONPEDI, de convidar o Sr. Sergio Moro, ex-juiz, ex-professor e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro para coordenar e participar de um painel no seu Congresso Nacional.

Ainda que, felizmente, o convite tenha sido cancelado, em virtude da grande contrariedade gerada no meio acadêmico, necessitamos dizer, em alto e bom som, que consideramos um desrespeito a toda a comunidade jurídica do país e às suas instituições a possível presença daquele que foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal como suspeito e parcial nos processos que dirigiu, em especial violando a Constituição e as mais básicas regras do Processo Penal brasileiro para alcançar interesses pessoais e políticos.

Se não bastassem tais ações, o comportamento do então juiz gerou incontáveis prejuízos materiais, financeiros e simbólicos ao país. Sua atuação alterou, inclusive, o processo eleitoral, ao condenar sem provas o candidato à Presidência da República que estava liderando francamente as pesquisas eleitorais, permitindo a vitória daquele que o alçaria ao status de Ministro de Estado apenas meses depois.

Também repudiamos o fato de que entre os patrocinadores da mesa que Sergio Moro iria coordenar, estivesse a APSEN, a maior produtora de Cloroquina no Brasil, que vem lucrando com a venda indiscriminada do medicamento em face da propaganda falsa, gerada por diversas entidades, inclusive pela própria presidência da República, de que ele combate a COVID-19, fato que contribuiu exponencialmente para o trágico número de 500.000 mortos da doença no país, pois serviu de pretexto para a desobediência do protocolo sanitário recomendado pela ciência para enfrentar a pandemia.

Entendemos que uma instituição como o CONPEDI, que há anos vem reunindo em seus encontros e publicações, integrantes dos melhores programas de pós graduação em direito do Brasil, que verdadeiramente contribuiu para incontáveis avanços na agenda da pesquisa em Direito, sempre comprometida com a defesa dos valores democráticos, dos direitos humanos e do Estado de Direito, não poderia mesmo compactuar com a presença de Sergio Moro, de produção científica praticamente inexistente e irrelevante, como coordenador e palestrante em um dos seus eventos, ainda mais com o patrocínio já referido."

A biografia de Moro começa a ganhar a devida redação. Ao pé deste texto, estão todos os signatários do documento.

APSEN CONTESTA PRESSÃO EM FAVOR DE MORO
Ao longo desta segunda, circulou a informação de que a participação de Moro teria sido uma exigência da Apsen Farmacêutica, uma das maiores fabricantes de hidroxicloroquina do país. Seu presidente, Renato Spallicci -- bolsonarista convicto antes da eleição de 2018 --, é um dos empresários que tiveram os sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático quebrados pela CPI.

Bolsonaro intercedeu a favor da Apsen e da EMS, em abril do ano passado, ao pedir ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que viabilizasse a exportação de insumos para a fabricação de hidroxicloroquina. E assim foi feito.

A assessoria da empresa me enviou uma nota negando que tenha intercedido em favor de Moro. Diz o texto:
"A Apsen informa que não foi comunicada sobre a participação de Sérgio Moro no 3º Encontro Virtual do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito do Brasil (Conpedi). A Apsen também afirma que não foi uma exigência ou solicitação da empresa a participação de Sérgio Moro, nem mesmo o cancelamento da sua participação como palestrante. A decisão de patrocínio do evento foi baseada na importância do tema do evento - saúde e segurança humana para a sustentabilidade e cidadania - para o país. A Apsen apoia o evento, única e exclusivamente, pelo seu viés acadêmico e não político."

Nesse particular, tanto melhor, não é? De qualquer modo, eu havia mesmo estranhado que uma empresa comandada por um bolsonarista convicto exigisse a presença de Moro em um evento.

Segue a lista de juristas, professoras e professores que protestaram contra o convite feito a Moro:
1 - Rogerio Dultra dos Santos

2 - Wilson Ramos Filho

3 - João Ricardo Dornelles

4 - Hugo Mello Filho

5 - Magda Barros Biavaschi

6 - Grijalbo Fernandes Coutinho

7 - Daniele Barbosa

8 - Cláudia Rosane Roesler

9 - Cláudia Roberta Sampaio

10 - Cristiane Brandão Augusto

11 - Ana Paula Alvarenga

12 - Juarez Estevam Tavares

13 - Leonardo Costa de Paula

14 - Wanda Capeller

15 - Pedro Serrano

16 - Marcelo Neves

17 - Claudia Maria Barbosa

18 - Otávio Alexandre Freire da Silva

19 - Gisele Cittadino

20 - Carol Proner

21 - Luciana Boiteux

22 - Jorge Souto Maior

23 - José Carlos Moreira da Silva Filho

24 - Manuel É. Gándara Carballido

25 - José Geraldo de Souza Junior

26 - Luanna Tomáz de Souza

27 - Fábio Leite

28 - Marcelo Cattoni

29 - Emílio Peluso Neder

30 - Bruna Martins Costa

31 - Henrique Figueiredo de Lima

32- Júlio Emílio Paschoal

33- Isadora de Oliveira Silva

34- Wanise Cabral

35- Ricardo Dib Taxi

36- Kátia Barbosa

37- Denise de Almeida Guimarães

38- Martonio M. Barreto Lima

39- Everaldo Gaspar Andrade

40- Fernando Fontainha

41- Antonio Moreira Maués

42- Bruno Torres Galindo

43 - Ana Maria D'Ávila Lopes

44 - Argemiro Martins

45 - Thomas Bustamante

46 - Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante

47 - João Paulo Allain Teixeira

48 - Maria Luiza Alencar Feitosa

49 - Tatiana Ribeiro de Souza

50 - Enzo Bello

51 - Joyceane Bezerra de Menezes

52 - Manoel Severino Moraes de Almeida

53 - Bruno Rotta Almeida

54 - Cristina Maria Zackseski

55 - Marisa Barbato

56 - Gustavo Barbosa de Mesquita Batista

57 - Maria Fernanda Salcedo Repoles

58 - Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

59 - Cristiano Paixão

60 - Alexandre Morais da Rosa

61 - Ivone Fernandes Morcilo Lixa

62 - Alexandre Bernardino Costa

63 - Vera Karan de Chueiri

64 - Larissa Ramina

65 - Tatyana Friedrich

66 - Fernando Dantas

67 - Conrado Hubner Mendes

68 - José Reinaldo de Lima Lopes

69 - Claudio Ladeira

70 - Gisele Ricobom

71 - Aury Lopes Junior

72 - Gustavo Siqueira Silveira

73 - Jânia Saldanha

74 - Salo de Carvalho

75 - Eneá Stutz e Almeida

76 - Ricardo Lodi

77 - José Ricardo Cunha

78 - Cláudio Ari Mello

79 - Tiago Botelho

80 - Thaisa Held

81 - Rosângela Cavallazzi

82 -Augusto Jobim do Amaral

83 - Fernanda Bragatto

84 - Giselle Marques de Araújo

85 - Rodrigo Moraes de Oliveira

86 - José Luiz Bolzan de Morais

87 - Paulo Ricardo Opuszka

88 - Iara Antunes de Souza

89 - Amauri Cesar Alves

90 - Natália de Souza Lisbôa

91 -José Luiz Quadros de Magalhães

92 - Flávia Souza Máximo Pereira

93 - Lilian Balmant Emerique

94 - Adriano Pilatti

95 - Bethania Assy

96 - Jean-François Deluchey

97 - Antonio Carlos Wolkmer

98 - Tatiana Cotta Gonçalves Pereira

99 - Maria de Fátima S. Wolkmer

100 - Prudente Silveira Mello

101 - Plínio Gentil

102 - Alexandre Bahia

103 - Fábio de Sá e Silva

104 - Victoria de Sulocki

105 - Ricardo Jacobsen Gloeckner

106 - João Virgílio Tagliavini

107 - Jair Aparecido Cardoso

108 - Juliana Neuenschwander Magalhães

109 - Paulo Sergio Weyl

110 - Alessandra Guimarães Soares

111 - Ana Paula Jorge

112 - Cynara Monteiro Mariano

113 - Joaquim Shiraishi Neto

114 - Cristiane Derani

115 - Rodrigo Carelli

116 - Rogério Pacheco Alves

117 - José Rubens Morato Leite

118 - Liana Amin Lima

119 - Carlos Mares

120 - Aderson Businger

121 - Katya Kozicki

122 - Silvana Beline

123 -Luciano Nascimento Silva

124 - Marilia Montenegro

125 - Felipe Freitas

126 - Bruno Soeiro

127 - Sérgio Salomão Shecaira

128 - Reginaldo de Souza Vieira.

129 -Camilo Zufelatto

130 - Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega