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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Pouca saúde e muita saúva no governo os males do bolsonarismo são

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/06/2021 05h04

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Não deixa de ser impressionante. Não fosse — e, creiam, é assim mesmo — o estranhamento do servidor Luís Ricardo Miranda, o irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF), crimes bilionários estariam sendo perpetrados com impressionante ligeireza e desfaçatez. Enquanto o bolsonarismo acusava os governadores de usar verba repassada pela União para desviar recursos, a roubalheira estava armada no próprio Ministério da Saúde.

A propósito: diante do que já se vê, como se sentem o procurador-geral da República, Augusto Aras, e a subprocuradora-geral Lindôra Araújo, a bolsonarista que resolveu enviar uma inquirição aos governadores em tom acusatório?

O caso da Covaxin impressiona. E se assiste à tentativa organizada de usar o Supremo como um último recurso para tentar frear a investigação. É impressionante, mas não surpreendente, considerando as personagens, que a tal Precisa Medicamentos seja a intermediária da tentativa de compra da vacina, dado o seu histórico.

A desfaçatez é tal que, a um só tempo, a Precisa entrou na Anvisa com o pedido de uso emergencial da vacina, e o dono da empresa recorreu ao Supremo para não ter de assumir o compromisso de falar a verdade e para poder silenciar para não se incriminar. Fosse um roteiro de ficção, pecaria pela falta de verossimilhança. Rosa Weber ainda vai decidir sobre o pedido encaminhado pela defesa do Maximiano.

Nesta segunda, a ministra negou a sustação da quebra do sigilo telefônico e telemático de Túlio Belchior, advogado que participou das negociações entre a Precisa e o Ministério da Saúde. O pedido foi feito pela OAB-DF. Na sua decisão, escreveu a ministra que o imbróglio da Covaxin indica "negociações pouco transparentes quanto à vacina ainda não respaldada por estudos científicos consistentes, em detrimento de imunizante de eficácia já comprovada e com custo substancialmente inferior, a projetar a grave suspeita investigada pela CPI de favorecimento e/ou de obtenção de vantagens indevidas na implementação da política pública de combate à pandemia da Covid".

Na mosca!

Ricardo Barros (Progressistas-PR) segue prestigiado como líder do governo na Câmara — ou, pode-se dizer, segue prestigiando Jair Bolsonaro como presidente, uma vez que o presidente depende do apoio do Centrão para se manter no cargo. Aconteceu o esperado: aquele a quem chamam "Mito" se tornou um refém da turma, inclusive de seus métodos.

Segundo o deputado Miranda, o presidente lhe disse de boca própria — e nem encontro nem conteúdo foram desmentidos — que o esquema da Covaxin teria Barros como beneficiário. E o deputado segue, vamos dizer, onipresente nessa área. Querem ver?

CONVIDECIA
Nesta segunda, a Anvisa pôs fim ao pedido de uso emergencial da vacina Convidecia, que havia sido feito pela Belcher Farmacêutica, uma empresa sediada em Maringá -- terra natal de Barros -- e pelo Instituto Vital Brasil. Ambos atuavam no país como representantes do laboratório chinês CanSino Biologics.

Ocorre que a própria Anvisa recebeu uma mensagem da empresa chinesa informado que ambos não mais a representam.

Ao encerrar o pedido, a diretora relatora do caso na Anvisa, Meiruze Freitas, afirmou:
"Uma empresa responsável pela solicitação e detentora da Autorização de Uso Emergencial de medicamentos é a entidade responsável civil, administrativamente e penalmente pelo respectivo produto. A detentora pode ser ou não fabricante do produto, mas deve se responsabilizar pela qualidade, eficácia e segurança do medicamento ou vacina a ser disponibilizada à população brasileira. Em face do eventual desalinhamento entre o detentor e o desenvolvedor e fabricante da vacina CanSino, temos que mecanismos intrínsecos e essenciais de supervisão técnica foram comprometidos."

Tanto melhor. Estávamos diante de mais um formidável gato na tuba. Reportagem da Folha informa:
"O advogado do líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), atuou como representante legal da vacina chinesa Convidecia no Brasil, participando inclusive de reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Sócio do genro de Barros até março deste ano, o advogado Flávio Pansieri participou de reunião com a Anvisa no último dia 30 de abril. Segundo o site da agência, a pauta da reunião referia-se às 'atualizações sobre a desenvolvimento da vacina do IVB [Instituto Vital Brazil] & Belcher & CanSinoBio a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa'."

SEMPRE ELE
Pois é... O governo estava determinado a comprar 60 milhões de doses da vacina do laboratório Cansino a US$ 17 dólares, uma bolada de mais de R$ 5 bilhões. Um dos sócios da Belcher é filho de Francisco Feio Ribeiro Filho, que presidiu a empresa de urbanização de Maringá, chamada Urbamar, quando Barros foi prefeito da cidade (1989-1992).

Vá anotando aí. O advogado do deputado participou como representante legal da vacina junto à Anvisa, e o dono do laboratório é do círculo de relações do parlamentar, que já comparece na história enrolado da Covaxin. A coisa poderia parar por aí, mas vai além: ao lado da Precisa, também a Belcher é investigada pelo MP do DF na operação Falso Negativo, que apura irregularidades na compra de testes rápidos pela Secretaria de Saúde do DF.

ENCERRO
Bolsonaro é hoje sócio do Centrão. E não tem como se livrar unilateralmente daqueles com quem decidiu dividir o poder. É evidente que um bom senso mínimo recomendaria que Barros deixasse de ser líder do governo. Mas aí o presidente teme a retaliação.