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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Golpistas do dia 7 isolarão Bolsonaro ainda mais; é o lado bom da patuscada

Bolsonaro encara o seu futuro. Quanto mais tenta se impor pela força, mais fica isolado - Reprodução
Bolsonaro encara o seu futuro. Quanto mais tenta se impor pela força, mais fica isolado Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

25/08/2021 06h59

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Certas formulações de jerico começam a frequentar até os textos de pessoas obviamente comprometidas com a defesa da ordem democrática e que repudiam alguns trogloditas fascistoides hoje aboletados no Estado. E aí se diz então: "Ah, se a manifestação do dia 7 de Setembro for gigantesca, Jair Bolsonaro obterá uma vitória importante..." Calma lá.

Se for um fiasco, é óbvio que ele estará acabado antes da fim do festa — ou do festim diabólico a que estamos submetidos. Mas, obviamente, não será. Podem contar que haverá muitos milhares nas ruas. E isso significará o quê? Nada! Coisa de um quarto do eleitorado ainda vota nele. Parte dessa gente é composta de fanáticos que acreditam em tudo o que diz e que seguem o seu comando. E vão para as ruas: pelo voto impresso, pelo fechamento do Supremo, contra os comunistas, contra as vacinas com chip... Escolham aí a causa.

Isso terá o condão de intimidar o Supremo? Acreditem: não vai mesmo. Se Bolsonaro espera alguma concessão arrancada na base da intimidação, então não sabe o erro que está cometendo. De resto, vamos ver: se a oposição fizer, na sequência, uma manifestação ainda maior em favor do impeachment, isso quererá dizer que o ogro vai cair? Nem uma coisa nem outra.

O dia 7 vai servir apenas para Bolsonaro evidenciar que continua competitivo. Digamos que se trata de um esforço para tentar impedir que surja o tal nome da terceira via, que, para ser viável, tem de arrancar mais eleitores seus do que de Lula. Como é crescente o descontentamento de setores da elite que estavam fechados com o "capitão" até ontem, ele sabe que o risco existe — ainda que pequeno hoje. É crescente a constatação, na turma do dinheiro grosso (não me refiro a bucaneiros exibidos), de que o país não tem futuro "com esse cara". E ele precisa dar uma demonstração de força.

"Mas Bolsonaro não sonha, Reinaldo, com uma manifestação gigantesca de pessoas pedindo o fechamento do Supremo, saudando-o como o grande líder, seguida de uma quartelada que o chamasse de chefe?" Sonha, sim, caras e caros. Mas sabem quantos são, no momento em que você lê este texto, os Napoleões de hospício e de si mesmos mundo afora? Entre o sonho e a realidade, costuma estar a impossibilidade.

Nesta quarta, no Dia do Soldado, os militares devem se pronunciar. Fiquemos atentos.

De um importante empresário — que nunca foi bolsonarista, mas que convive num meio altamente bolsonarizado (até outro dia...) —, ouvi uma avaliação que já está sendo feita entre seus pares: "E se ele ganhar? Está queimando tantas pontes e incendiando tantos navios que o futuro se torna ainda mais sombrio".

Pois é. Sabemos que Bolsonaro não precisa de motivos objetivos para declarar guerra contra adversários que só litigam na sua imaginação, naquela terra devastada que tem entre as orelhas. Ou suas milícias não teriam começado a atacar o Judiciário e o Legislativo já no dia 2 de janeiro de 2019, dando continuidade à linguagem da campanha eleitoral.

REUNIÃO COM PODERES?
É por isso que não faz muito sentido, na sua estratégia ao menos, uma reunião entre os Poderes, com a presença dos governadores. E aí pouco importa a sua ojeriza a João Doria. Ocorre que Congresso e STF não têm concessões a fazer. O único que teria algo a ceder seria ele próprio: teria de pôr fim à sua postulação golpista. Mas aí vai dizer a seus fanáticos o quê?

Até o centrão, que vive as delícias orçamentárias do poder, sabe que a equação não tem futuro. Vai tentando empurrar Bolsonaro com a barriga até a disputa eleitoral, numa estratégia de redução de danos.

E quais as chances de o presidente amenizar o discurso depois do dia 7? Bem, respondo com outra pergunta: amenizaria por quê? Lá estarão os seus lunáticos, certos de que podem se impor pelo berro e esperançosos de que as Forças Armadas, na hora h, não faltarão e impedirão a sua derrota — o que não vai acontecer.

O FUTURO
O que os democratas têm de fazer desde já -- e essa costura tem de começar agora, não mais tarde -- é um pacto em favor da governabilidade a partir de 2023. A instabilidade que Bolsonaro levou à política tenderá a durar bastante tempo. A besta não voltará facilmente para a caverna. A corrosão institucional nestes dois anos e oito meses de desordem é grande. Crimes em penca foram e estão sendo cometidos. Os militantes do golpe de estado terão de ser contidos pela lei.

Vejam, a propósito, a pregação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), insuflando a PM de São Paulo contra o governador e falando abertamente em ruptura institucional. É evidente que a democracia não pode tolerar esse tipo de pregação se não quiser conviver com a instabilidade permanente e com a condenação ao atraso. Há setores importantes no país, inclusive na imprensa, que não se deram conta da dimensão da corrosão em curso.

Não. Não haverá golpe. Mas precisaremos de muito tempo para rearranjar as coisas quando esse pesadelo passar. E haverá muito a fazer em defesa da ordem democrática. Especialmente num país em que até alguns juízes confundem crime com liberdade de expressão.

CONCLUO
Bolsonaro não vai desistir na pregação golpista. Não é que seja a sua melhor opção. É a única. Sem isso, não existe. E conta, sim, com um apoio expressivo, especialmente quando se consideram as enormidades que diz. Conseguiu a proeza de encarnar todos os reacionarismos do país -- os novos e os ancestrais. E haverá, pois, muita gente na rua no dia 7. E isso só vai evidenciar por que ele não pode continuar na Presidência da República. Tem de sair por meio do impeachment (chance ainda remota) ou das eleições.

Na planície, terá de pagar por seus crimes.