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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Agro real repudia golpe; os do fuzil são bandidos em pele de agricultores

Colheita de soja e fuzis enfileirados. O agronegócio que conta tem tudo a ver com a máquina que aparece à esquerda e não tem nenhuma relação com as que estão à direita. Pistoleiros querem a guerra. Empresários querem paz e respeito às leis para produzir - Reprodução
Colheita de soja e fuzis enfileirados. O agronegócio que conta tem tudo a ver com a máquina que aparece à esquerda e não tem nenhuma relação com as que estão à direita. Pistoleiros querem a guerra. Empresários querem paz e respeito às leis para produzir Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/08/2021 22h12

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Entidades que congregam empresas ligadas ao agronegócio que conta — e isso quer dizer que não inclui madeireiros ilegais, grileiros, invasores de terras indígenas — não esperaram que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) resolvesse seus problemas hamletianos com o governo Bolsonaro. Entre ser ou não ser sabujo, entre adiar ou não um manifesto que faz a singela defesa do Estado de direito, entidades que respondem por parte considerável do superávit comercial brasileiro se adiantaram e divulgaram seu próprio texto — ou "nota", como chamam de maneira menos pretensiosa. E dizem tudo o que interessa.

Segue em azul a íntegra do texto. Volto em seguida:

"As entidades associativas abaixo assinadas tornam pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social em nosso país. Somos responsáveis pela geração de milhões de empregos, por forte participação na balança comercial e como base arrecadatória expressiva de tributos públicos. Assim, em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua história agora prestes a celebrar o bicentenário da Independência.

A Constituição de 1988 definiu o Estado Democrático de Direito no âmbito do qual escolhemos viver e construir o Brasil com que sonhamos. Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes.

O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham.

As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar. Em uma palavra, é de liberdade que precisamos — para empreender, gerar e compartilhar riqueza, para contratar e comercializar, no Brasil e no exterior. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará.

Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das Nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter.

A moderna agroindústria brasileira tem história de sucesso reconhecida mundo afora, como resultado da inovação e da sustentabilidade que nos tornaram potência agroambiental global. Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis. Seguiremos contribuindo para a construção de um futuro de prosperidade e dinamismo para o Brasil, como temos feito ao longo dos últimos anos. O Brasil pode contar com nosso trabalho sério e comprovadamente frutífero."

Assinam o texto a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), Associação Brasileira dos Industriais de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), CropLife Brasil, Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg).

É ANTIBOLSONARO?
É um texto contra o governo? Não se toca, por óbvio, no nome de Bolsonaro, mas é evidente que os pilares da democracia, identificados no manifesto, estão hoje sob ataque. E quem os ataca é o presidente. Que pilares são esses? Listo:
- estado democrático e de direito;
- liberdade e pluralismo;
- alternância de poder;
- inovação e sustentabilidade.

É claro que a mensagem tem como destinatário o presidente da República. Alguém mais ameaça aquelas conquistas? Afinal,
- ele já falou no risco de não haver eleições;
- ele trata a divergência como guerra a ser vencida;
- ele já falou em não respeitar o resultado das urnas;
- ele trata as questões do meio ambiente apenas como confronto ideológico.

E, era fatal, isso começa agora a prejudicar os negócios. E só por isso foi tão fácil à Fiesp arrumar signatários para a carta, que foi adiada depois de uma pressão estúpida e absurda do governo.

"Ah, Reinaldo, há também um recado à esquerda quando se repudiam "aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará".

Pois é... Digam-me quando foi que, no governo Lula ou Dilma, "aventuras radicais e paralisações ilegais" impediram o desenvolvimento do agronegócio, que viveu seus anos dourados nos governos petistas, e os grandes empresários do setor sabem disso. Até porque a adesão à agenda ambiental facilitou enormemente a conquista de mercados. Saibam: a aprovação do Código Florestal representou um ganho gigantesco ao setor. Conseguiu-se a devida conciliação entre produção e meio ambiente.

Bolsonaro tem, sim, o apoio de setores do campo que se dizem, vamos dizer, "empresários do agronegócio". Alguns, de fato, são: um reacionarismo atávico parece ligá-los ao capitão, que vocaliza seus preconceitos.

Mas as empresas de ponta, que realmente respondem pelo desempenho da balança comercial e pelos recordes sucessivos da safra, precisam de paz para trabalhar. Com qualquer governo. Desde que respeite as instituições. E o governo, como resta claro, está atrapalhando. Destaco:
"O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter."

Esse agronegócio não anda com fuzil nos ombros nem se sente representado quando a Secom, sob o pretexto de homenagear o agricultor, saca de um banco de imagens uma foto de um homem com rifle nos ombros.

Os empresários do agronegócio sabem quanto têm a perder se a crise institucional que Bolsonaro desenha se tornar realidade. E sabem também que a sucessão presidencial, qualquer que seja o vitorioso — e a óbvia exceção é o atual presidente — implicará a continuidade das regras do jogo.