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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aras faz o certo e defende liminar que suspende MP do vale-tudo nas redes

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/09/2021 17h11

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Augusto Aras, procurador-geral da República, enviou ao STF seis manifestações defendendo que o tribunal conceda imediatamente uma liminar suspendendo os efeitos da Medida Provisória 1.068/21, baixada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 6 de setembro, véspera de sua malsucedida patuscada golpista do dia 7. Aras não se manifestou sobre o mérito porque a relatora, Rosa Weber, cobrou da PGR uma posição apenas sobre a concessão ou não da liminar.

O que faz mesmo a tal MP 1.068? Lembro: limita o poder das redes sociais para excluir matéria que viole os seus conhecidos termos de uso. O texto estabelece os critérios do que chama "justa causa" para que uma publicação seja retirada do ar pelas empresas ou para que uma conta seja suspensa. Escrevi um longo artigo na madrugada do dia 7 explicando por que o texto padece de inconstitucionalidade formal e material. Vale a pena relê-lo. Em essência, a MP:
- viola três disposições do Artigo 62 da Constituição;
- agride direitos constitucionais das empresas;
- contradiz o conteúdo do Marco Civil da Internet, que continuaria, por óbvio, em vigência.

Noto: como a MP é exaustiva nas razões por que uma determinada postagem seria retirada do ar e como lá não há, por exemplo, "informação enganosa sobre eficácia de medicamento" ou "informação enganosa sobre ineficácia de vacinas cientificamente comprovadas", as redes virariam palco de toda sorte de horrores. Nessa e em outras áreas. Releiam o meu artigo do dia 7 para conhecer os critérios do governo para "justa causa".

AS ADIs
Muito bem! Seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) chegaram ao Supremo, e a relatora é a ministra Rosa Weber --- da 6.991 à 6.996 --, ajuizadas, respectivamente por PSB, Rodrigo Molina Resende Silva (advogado), PSDB, PT, Novo e PDT.

As argumentações variam aqui e ali no acento dado a determinados aspectos, mas, em essência, apontam os mesmos vícios. O Artigo 62 da Constituição exige, no caput, os pressupostos da "urgência e relevância" para que uma determinada matéria possa ser objeto de Medida Provisória. O tema é certamente relevante, mas é claro que naufraga no critério da "urgência".

Há mais. O texto constitucional deixa claro que matérias relativas a cidadania e a direito processual civil — respectivamente, Alíneas "a" e "b" do Inciso I do Parágrafo 1º — não podem ser tratadas por meio de Medida Provisória. A chamada "inconstitucionalidade formal", pois, é arreganhada. Vale dizer: o governo apela a um instrumento normativo impróprio para empreender aquilo que pretende.

INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Mas há, também, a clara inconstitucionalidade material: a MP se choca com direitos assegurados pela Constituição, como o da "livre inciativa", previsto no Artigo 170 da Carta -- aliás, a ADI ajuizada pelo PT invoca corretamente essa questão --, submetendo as redes a uma estatização oblíqua.

Mais: há a clara violação à liberdade de expressão à medida que, sob a desculpa de protegê-la, a MP acabaria por normalizar e normatizar "fake news" num leque imensurável: afinal, as redes estariam proibidas de retirar tudo aquilo que não está estritamente previsto na MP. É um despropósito. Além de tudo, o texto se choca com fundamentos do chamado Marco Civil da Internet.

A ARGUMENTAÇÃO DA AGU
Embora a Advocacia Geral da União (AGU) tenha sido convocada a se manifestar apenas sobre a concessão da liminar, sustenta, em nome do governo, a suposta constitucionalidade da MP. No resumo feito pela PGR, aduz:

"[A AGU] Ressaltou que "o objetivo da medida provisória é o de garantir direitos aos usuários de redes sociais, evitando que a moderação de conteúdo seja tomada sem observar o princípio da liberdade de expressão" e que "quando se está diante da possibilidade de moderação de publicações, é necessário ser feita a ponderação com o princípio da liberdade de expressão, devendo esta, no caso em análise, prevalecer".

Não é preciso ser muito bidu para constatar que se confundem, acima, crimes com liberdade de expressão. Afinal, estaria permitido tudo aquilo que não está especificado como "justa causa" de exclusão. Seria o triunfo do mundo-canismo.

As ADIs expõem de maneira clara e cristalina a inconstitucionalidade da MP. Os peticionários fazem o óbvio: pedem a concessão imediata de uma liminar suspendendo seus efeitos — dado o perigo da demora para decidir — e, por obvio, que o Supremo declare o texto inconstitucional.

É o que acho que vai acontecer. Concedida essa liminar, Rosa deve submetê-la imediatamente ao pleno, que, infiro, deve manter aquela que, aposto, será a sua decisão.

Aras não se manifesta sobre o mérito porque não lhe foi pedido, mas me parece que, ao defender a concessão da liminar, reconhecendo o risco de dano, caminha para o entendimento de que se trata de uma MP inconstitucional.