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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Queiroga exibe dedo do meio a vivos e a 600 mil mortos. É emblema do tempo

Queiroga exibe dedo do meio a vivos e a 600 mil mortos. É emblema do tempo - EBC
Queiroga exibe dedo do meio a vivos e a 600 mil mortos. É emblema do tempo Imagem: EBC

Colunista do UOL

21/09/2021 05h46

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Minhas caras, meus caros, os acontecimentos relevantes da história só o são porque decorrem de eventos sísmicos menores. E olhem que pode ocorrer de o terremoto dar uma chacoalhada, mas sem grandes estragos posteriores. É o caso da tentativa frustrada de golpe no dia Sete de Setembro. Bolsonaro vinha numa escalada de agressões à Constituição e ao estado de direito e tentou ali sua grande cartada. Foi obrigado a recuar.

Eventos menores, em si irrelevantes, podem indicar o que está em curso no país se forem vistos como sintomas. Se um dia me pedirem uma imagem que represente a política de saúde no Brasil, que já resultou em quase 600 mil mortos, não escolherei o "um manda, o outro obedece", do general Eduardo Pazuello. Também não indicarei o célebre discurso de Bolsonaro sobre a "gripezinha" e seu "passado de atleta". Tampouco vou optar pela fala presidencial sobre comprar fuzil ou feijão.

Não! A imagem que resume a política de Saúde do Brasil; a imagem que é epítome da súcia que chegou ao poder; a imagem que representa à perfeição o bando de primitivos e incompetentes que nos agride; a imagem que traduz para o conjunto dos brasileiros a caterva que nos governa; a imagem que dá todos os relevos de um grupo de vadios, desordeiros e desqualificados é a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a responder, com o dedo do meio, a manifestantes que protestavam em Nova York. Enganou-se quem achava que o pateta a comer pizza na calçada era o ponto extremo da obscenidade que este senhor poderia protagonizar.

O titular da pasta que responde pela área à qual compete combater a doença que já matou quase 600 mil pessoas mandava um recado aos vivos e aos mortos: "F...-se!" Isso, sim, evidencia, mais que os desatinos cotidianos de Bolsonaro, um estado de coisas. Esse é o momento em que o pau-mandado anseia falar por seu senhor e executar, em seu lugar, o que considera a medida justa. Queiroga é o retrato deste tempo.

Governantes não precisam gostar de protestos — e, por óbvio, não conheço nenhum que os aprecia. Certos ou errados, os políticos irão sempre, de imediato, defender as suas escolhas. Autocrítica, quando há, mesmo entre as melhores cabeças, leva um tempo. Assim, manifestar insatisfação com a adversidade e mesmo responder com dureza aos críticos é parte do jogo.

Atenção! Mesmo quando os protestos não são os mais educados — e excluo da consideração, obviamente, os atos criminosos, que têm de ser punidos; na democracia, nem tudo pode —, cumpre aos governantes ter aquilo que muitos manifestantes não têm: temperança. A razão é simples: falam com a investidura dos poderes de uma fatia do Estado. E governos, por força das leis, se impõem a todos — inclusive àqueles que deram seu voto a outros candidatos ou que se negaram a participar da escolha ou pela ausência ou pelo voto inválido.

O que se passa na cabeça de alguém como Queiroga ao fazer o gesto obsceno? Eu respondo: a sensação de que eles podem tudo; de que nada os alcançará; de que estão exercendo a sua função para colonizar o país com suas ideias, seus valores, suas idiossincrasias, seus preconceitos, suas ignorâncias, seus crimes.

Eis o ministro que ousará depois falar à nação e à comunidade científica sob o pretexto de que a técnica, não a torpeza, orienta as suas escolhas. Bem, não poderia ser outro a recomendar a suspensão da vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos porque, afinal, o presidente andou lendo algumas coisas nas redes sociais. É pouco provável que Bolsonaro navegue nas ditas-cujas. Nem deve saber como fazê-lo. Preparam-lhe uma seleta de indignidades, e ele as usa para governar o Brasil.

Queiroga, o do dedo do meio, acompanha Bolsonaro a Nova York como uma espécie de fiador técnico da política brasileira de combate à Covid-19...

O presidente discursa daqui a pouco na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Se sua fala for neutra, anódina, sem pregação antediluviana, já será um grande alívio. Mas, convenham, não é essa a expectativa. O mandatário brasileiro é sempre reativo e abespinhado. Quando acuado, e está, tende a dobrar a dose da agressividade, a menos que passe a vislumbrar o abismo. Aí se borra todo e recua. Já aconteceu duas vezes: quando Fabrício Queiroz foi preso e quando o impeachment passou a ser debatido abertamente no Congresso.

O dedo do meio de Queiroga é mais um sinal de que este 21 de setembro vai apenas dizer o tamanho da nossa vergonha. E é claro que torço para estar errado.