Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lobbies lavajatista e evangélico se unem por Mendonça. E Lewandowski acerta

Davi Alcolumbre e Ricardo Lewandowski: os dois dizem como não pode ser na democracia. Ainda bem!  - Reprodução
Davi Alcolumbre e Ricardo Lewandowski: os dois dizem como não pode ser na democracia. Ainda bem! Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/10/2021 23h15

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não deixa de ser interessante ver os setores lavajatistas da imprensa a pressionar pela sabatina — e, claro!, aprovação — de André Mendonça para a vaga aberta no Supremo. Tem-se, assim, uma aliança circunstancial entre o lavajatismo, em cujo altar Mendonça já se ajoelhou, e o pastor Silas Malafaia e aliados, que não se intimidam em reivindicar a competência para definir quem pode e quem não pode falar como evangélico. Os absurdos vão se acumulando. Nunca se viu nada assim. Por partes.

SUPREMO
Nesta segunda, o ministro Ricardo Lewandowski tomou uma decisão importante. Negou a concessão de liminar em mandado de segurança, impetrado por dois senadores, que buscava impor a Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, a marcação da sabatina de Mendonça. Na verdade, Lewandowski foi além: ele nem mesmo "conheceu DA ação" -- como se diz em juridiquês, em que o verbo "conhecer" é transitivo indireto. Isso significa que o ministro está a dizer que se trata de um instrumento inválido para obter o efeito pretendido pelos impetrantes: os senadores Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Em argumentação impecável, o ministro evidencia que falta legitimidade à dupla para apelar ao Mandado de Segurança já que não se trata de proteger direito líquido e certo dos próprios impetrantes, conforme exigência da Constituição (Inciso LXIX do Art. 5º) e da Lei 12.016.

Em exposição relativamente longa, dada a natureza da decisão, Lewandowski demonstra ainda que inexiste instrumento Constitucional para impor ao presidente da CCJ a realização da sabatina. Do contrário, o Judiciário estaria se imiscuindo em assunto próprio ao Legislativo, a chamada questão "interna corporis".

ESCLARECIMENTO
Cabe aqui um esclarecimento sobre uma burrice -- uma entre as infinitas -- que vai nas redes sociais: se o STF pode determinar a abertura de uma CPI, por que não pode impor a realização da sabatina? Resposta simples: a primeira questão está disciplinada no Parágrafo 3º do Artigo 58 da Carta; a segunda não está.

Vale dizer: "As comissões parlamentares de inquérito (...) serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo (...)". Satisfeitas tais condições, a Constituição impõe a sua instalação. Mas nada há sobre a data de sabatinas. Nesse caso, a decisão é exclusiva do Poder Legislativo.

DE VOLTA À QUESTÃO POLÍTICA
A pressão sobre Alcolumbre para marcar a data é grande e une, como já afirmei aqui, setores ligados ao lavajatismo e algumas vozes estridentes que reivindicam o monopólio da voz evangélica. Trato desse ponto em post específico. Fixo-me um pouco em Alcolumbre.

Ao senador se tenta imputar prática similar à chantagem. O próprio Bolsonaro chegou a sugerir isso em suas intervenções. O presidente da CCJ teria reinvindicações não satisfeitas e só por isso estaria "segurando" a sabatina.

Bem, dizer o quê? Não foi por falta de ceder a, digamos, "pressões orçamentárias" que Bolsonaro fez inimigos, não é mesmo? Só continua na Presidência da República porque, de maneira inédita, o chamado "Orçamento Secreto" garante o que resta de governabilidade. Se alguém procura algo parecido com "chantagem", é bom começar a busca por aí.

Se Alcolumbre tivesse mesmo a pauta de exigências fechada, acho que já teria levado o supostamente pretendido.

APARELHAMENTO
Não havendo, como não há, imposição possível para a realização da sabatina, entendo que a demora é parte legítima do jogo político. Alguns dizem conhecer as motivações secretas de Alcolumbre, embora não as discriminem. A mim me basta, para defender que a sabatina fique para 2023, o que disse Bolsonaro no último dia 6. Em reunião com parlamentares ruralistas, o presidente disse a seguinte maravilha:
"Quem se eleger presidente no ano que vem, no primeiro semestre de 23 indica mais dois [ministros] para o Supremo. Se for alinhado conosco, 10. Ficam quatro garantidos lá dentro. Além de outros que já votam... não é que votam com a gente, votam com as pautas que têm que ser votadas do nosso lado. Então, vamos ter tranquilidade por parte do Judiciário. Isso é primordial".

Bolsonaro vê o Supremo como uma espécie de puxadinho dos interesses que defende. Não pensa em nomear pessoas que, tendo experiência da área jurídica, lá cheguem para tomar decisões segundo as normais legais.

Sim, é fato, também o Supremo está sujeito às injunções políticas, e quem senta em uma de suas cadeiras não cai do céu. Mas despudor assim nunca se viu. Imaginem se, nos anos petistas, Lula falasse a um grupo de sindicalistas sobre "ministros garantidos"...

"E não os houve, Reinaldo?"

Respondo assim: no dia 4 de abril de 2018, o STF negou habeas corpus preventivo ao ex-presidente por 6 votos a 5, o que levou Sergio Moro a decretar a sua prisão menos de 24 horas depois. Dos seis votos que permitiram a prisão de Lula, cinco eram de indicados pelo PT: Carmen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Edson Fachin e Roberto Barroso. Dos cinco ministros favoráveis ao habeas corpus, três haviam sido indicados por presidentes não petistas: Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes.

Todos sabem que eu concordo com os cinco ministros que foram vencidos e que era favorável à concessão do habeas corpus porque entendo que, em caso de condenação, a Constituição só autoriza a execução da pena depois do trânsito em julgado. Logo, tivesse sido essa a decisão, não se teria dado por aparelhamento, mas por aplicação do texto constitucional. Aconteceu o contrário. E o não aparelhamento ficou demonstrado pelo avesso.

Bolsonaro não quer ministros do Supremo, mas extensões da sua vontade. Tanto é assim que, segundo as suas palavras, Mendonça já se comprometeu a orar no tribunal uma vez por semana e também a almoçar com o chefe — no caso, ele próprio.

Quem tiver a prova provada das motivações secretas de Alcolumbre que as exponha. A mim me basta que a indicação de um nome para o Supremo, nessas condições, não prospere.

QUESTÃO CENTRAL
E há uma questão central para este colunista: a democracia! Bolsonaro parou de vomitar discurso golpista no dia 9 de setembro, quando assinou a carta de rendição. Arredondando, um mês apenas! Ainda não fez mea-culpa digno do nome. Mas vá lá: começo a contar a indicação de Mendonça a partir desse dia. Pensar que se pudesse votar a indicação do presidente para o tribunal, eventualmente aprovando-a, quando este ameaçava o Supremo era coisa de gente indecente. Alcolumbre fez muito bem em ignorar solenemente a questão. Protegeu a democracia.

Sobre a "Denominação de Origem Controlada" para saber se o sujeito é ou não "terrivelmente evangélico" e quem, afinal, concede a "DOC" ao candidato ao STF, escrevo outro post.