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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Decisão do TCU revela a moralidade dos fidalgos da República de Sergio Moro

Carlos Fernando e Deltan Dallagnol, dois dos citados na decisão do ministro Bruno Dantas, do TCU - Reprodução
Carlos Fernando e Deltan Dallagnol, dois dos citados na decisão do ministro Bruno Dantas, do TCU Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/11/2021 05h45

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Ah, como era a doce a República de Curitiba! Ao menos para os seus fidalgos! E isso inclui a nata dos procuradores que viraram estrelas do noticiário e, claro!, o agora pré-candidato à Presidência Sergio Moro. Este, então, promete uma revolução ética no país. Defende, como fez nesta quarta, até um tribunal de exceção só para caçar corruptos... Entendo. Depois de deixar a magistratura e o governo, o valente foi ganhar alguns milhões na Alvarez & Marsal, empresa encarregada da recuperação judicial da Odebrecht, que a Lava Jato quebrou. É claro que ele não vai revelar o valor do contrato. Alegará sigilo. Pois é. No novo Brasil que a turma anseia, os prejuízos são públicos, e os benefícios, privados. É tão novo como a elite andar para trás. Sigamos.

Talvez um tantinho de Justiça com os fatos se venha a fazer no TCU. Bruno Dantas, ministro da Casa e relator de uma tomada especial de contas, determinou que um grupo de ex-integrantes da Lava Jato devolva aos cofres públicos recursos referentes a diárias e passagens aéreas que, segundo apuração do órgão e do Ministério Público que atua junto ao tribunal, foram pagas irregularmente entre 2014 e 2021. Não se está falando de ninharia, não: R$ 2,557 milhões!

Transcrevo trecho do despacho do ministro, com nomes e valores, e as coisas ficarão mais claras. Vamos lá.

"O modelo ora impugnado envolveu a escolha de procuradores e o pagamento reiterado e ilimitado de diárias e passagens àqueles que, porventura, não residiam em Curitiba. Esse modelo viabilizou uma indústria de pagamento de diárias e passagens a certos procuradores escolhidos a dedo, o que é absolutamente incompatível com as regras que disciplinam o serviço público brasileiro.

Tive o cuidado de solicitar à minha assessoria, composta de Auditores Federais de Controle Externo concursados, que trabalhasse analiticamente os dados encaminhados pela Procuradoria-Geral da República (TC 026.997/2020-7, peça 17), e os números resultantes saltam aos olhos. Examinando as informações, encontramos casos como o do Procurador da República Diogo Castor de Mattos, que recebeu R$ 387 mil em diárias para atuar na Lava-Jato de 2014 a 2019 em Curitiba, mesmo residindo naquela capital à época dos trabalhos da força-tarefa.

Caso semelhante seria o de Orlando Martello Junior, oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora residente em Curitiba. O deslocamento do procurador à capital do Paraná no período de 2014 a 2021 resultou no pagamento de R$ 461 mil em diárias, além do dispêndio de R$ 90 mil em passagens. 40. Há, ainda, o caso de Carlos Fernando do Santos Lima, que atuou na LavaJato de 2014 a 2018 e recebeu R$ 361 mil a título de diárias, além de ter dado ensejo ao pagamento de passagens que somaram mais de R$ 88 mil; de Antonio Carlos Welter, que recebeu R$ 506 mil em diárias e deu origem a gastos de R$ 186 mil com passagens; de Januário Paludo, a quem foram pagos R$ 391 mil em diárias e que deu causa ao pagamento de R$ 87 mil em passagens, entre outros".

Escreve Dantas:
"Resta configurado, portanto, dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo e antieconômico (Regimento Interno do TCU, art. 209, incisos II e III). Diante desse cenário, cumpre à Corte de Contas adotar as medidas a seu cargo para recuperar gastos que não foram geridos conforme a boa e regular gestão dos recursos públicos, em especial considerando os princípios da economicidade e da impessoalidade (Lei 8.443/1992, arts. 1º, inciso I, 5º, inciso II, e 16, c/c Regimento Interno do TCU, art. 209).

Pelo dano, devem responder tanto os agentes responsáveis pelos atos irregulares quanto aqueles que dele se beneficiaram de maneira imprópria (Constituição Federal, art. 71, inciso II, c/c Lei 8.443/1992, art. 16, § 2º, "b", e Regimento Interno do TCU, art. 209, §§ 5º e 6º). Quanto à quantificação do dano, deve feita a partir dos valores que excedem as despesas que teriam sido arcadas pelo erário caso adotado outro modelo, como a mera remoção dos interessados a atuar na dita Operação."

O ministro não decidiu citar apenas aqueles que receberam os benefícios considerados irregulares. Também os que autorizaram o procedimento e que, vamos dizer, compactuaram com aquele modelo de força-tarefa devem ser citados. Entre eles, está Deltan Dallagnol, que praticamente já anunciou a sua candidatura. Transcrevo:
"- Identifique e elabore proposta de citação dos procuradores que propuseram o modelo de força-tarefa adotado na Lava-Jato, analisando especificamente o papel do Procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, que era conhecido como coordenador da força-tarefa e era o procurador natural do caso;
- identifique e elabore proposta de citação do Procurador-Geral que autorizou a constituição da força-tarefa, considerando não haver restado descartada a possibilidade de ela ter sido criada com o viés de beneficiar os procuradores envolvidos;
- identifique e elabore proposta de citação dos Procuradores-Gerais que autorizaram os pagamentos referentes a diárias e passagens no modelo de força-tarefa escolhido;
- identifique e elabore proposta de citação dos Secretários-Gerais que autorizaram os pagamentos referentes a diárias e passagens no âmbito da força-tarefa no modelo escolhido".

REPORTAGEM
Pois é... O MP que atua junto ao TCU e o ministro Bruno Dantas apenas dão consequência a coisas do arco da velha que já tinham vindo a público. Tudo, claro!, sob o pretexto de combater a corrupção. O discurso que Moro fez nesta quarta mostra que, em matéria de moral e bons costumes, ninguém concorre com esses patriotas.

No dia 30 de março de 2021, o site The Intercept Brasil publicou uma reportagem sobre as diárias pagas ao serelepe procurador Diogo Castor de Mattos, aquele que foi punido com a pena de demissão pelo Conselho Nacional do Ministério Público por ter financiado, às escondidas, um outdoor que cantava as glórias da Lava Jato.

Transcrevo trecho da reportagem:
"O Ministério Público Federal pagou ao procurador da República Diogo Castor de Mattos pelo menos R$ 373,6 mil em diárias para ele trabalhar para a Lava Jato na cidade em que morava. O caso é peculiar. Castor não é o integrante da força-tarefa de Curitiba que mais recebeu dinheiro extra por viagens a trabalho, tampouco o único que pode ter recebido sem precisar. Mas, embora tenha recebido muitos adicionais sob a justificativa de trabalhar longe de casa, ele garantiu à justiça em cinco ocasiões, entre 2014 e 2019, que morava em Curitiba. E isso era de conhecimento de Deltan Dallagnol, então coordenador da Lava Jato na cidade, e de todos os procuradores, como deixam claro mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram".

A coisa é mesmo do balacobaco! O caso de Orlando Martello Júnior é peculiaríssimo. E despertou a atenção da imprensa em 2017. Num grupo que reunia procuradores, ele próprio expôs uma situação que lhe pareceu a normalíssima. Acompanhem como ele enxergava o próprio caso:
"Em razão dos questionamentos do jornalista, seguem as informações que entendo pertinente. 1 - Minha esposa é membro do MPF em Curitiba e nesta condição faz jus ao auxílio moradia, segundo a legislação. 2 - Ordinariamente, exerço minhas funções em São Paulo na Procuradoria Regional da República - respondendo integralmente pelos feitos de atribuição de meu gabinete -, onde também tenho residência. Alugo apartamento em São Paulo. O auxílio moradia tem por finalidade cobrir gastos com residência. 3 - Ao contrário do que assume o repórter, o recebimento de auxílio moradia é devido sempre que o(s) servidor(es) exerce(rem) atividades em locais distintos, ainda que casado(s). Isso se aplica a toda a administração pública federal. 4 - Cumulativamente, exerço temporariamente funções junto a FT-LJ em Curitiba. Em razão de prestar serviço fora da sede de exercício (que é São Paulo), a lei determina o pagamento de diárias. Todos os Procuradores da FT com acúmulo de funções na origem concordaram em limitar o número de diárias a 8 diárias mensais, independente do número de dias trabalhados. O pagamento das diárias são devidas ainda que o servidor hospede-se em hotel, na casa de um amigo ou de um parente. 5 - Embora não tenha entendido a questão referente ao Auxílio alimentação, auxílio creche e abono, esclareço que são verbas devidas conforme a legislação prevê. Caso tenha algum ponto específico que não entendi, estou à disposição para esclarecê-lo".

Vocês entenderam direito. À época, todos os membros do Ministério Público e do Judiciário tinham direito ao auxílio-moradia. E a mulher do procurador, também membro do MP, tinha o seu. Martello havia sido transferido para São Paulo e, claro!, recebia o auxílio para pagar o aluguel.

Ocorre que que ele passou a fazer parte da força-tarefa e se deslocava para Curitiba regularmente. Quando o fazia, ficava, por óbvio, na casa em que moram sua mulher e filho. E, mesmo assim, recebia as diárias. Compreenderam?

A lista dos que levaram a bolada inclui o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, que também estuda entrar para o Podemos e se candidatar, a exemplo de Dallagnol. Lima estava lotado em São Paulo, mas fez carreira em Curitiba, onde tem família.

ENCERRO
Vocês sabem que, por muito menos, muita gente teve a sua vida destruída por esses arautos da moralidade. Prepararam o terreno para a ascensão de Jair Bolsonaro e sonharam ser a consciência do novo poder. Não deu certo. Então resolveram disputar eleições eles mesmos, usando o Podemos como uma espécie de barriga de aluguel do "Partido da Lava Jato".

O jeito como entendem o emprego do dinheiro público revela, com efeito, um entendimento bastante peculiar do que seja moralidade. A título de curiosidade, segue abaixo o vídeo em que Carlos Fernando, num debate com o advogado Walfrido Warde, admitiu que Bolsonaro era, sim, o candidato da Lava Jato.

Que dúvida!