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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Urubus do morismo passeiam entre girassóis do PSDB, que pôs vida em perigo

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/11/2021 07h13

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Ah, os urubus do morismo passeiam a tarde inteira entre os girassóis do PSDB. No momento, amarelos, sim, mas murchos. E, claro!, lá está o ex-juiz com uma roseira na mão direita — e põe direita nisso! — autenticando a eterna Primavera caso consiga instalar no Brasil um tribunal de exceção à moda ucraniana.

Que coisa! Não tem vergonha de defender uma excrescência como essa.

Quem conhece percebeu as pegadas de "Tropicália", de Caetano, na passagem acima. Nada estranho no tempo em que "crianças sorridentes, feias e mortas estendem mão" na República que a Lava Jato pariu.

Cuidado, tucanos! Olhem os urubus à espreita!

Como naquele funk, o PSDB não "precisa de ninguém para fazer merda" com ele. O partido sozinho põe sua vida em perigo. A tentação, claro!, de responsabilizar "o estilo Doria" pelos desatinos em curso é grande. A questão é saber por que a legenda não abraçou, por exemplo, a vacina como o seu grande valor afirmativo desde o início. Não o fez. E, agora, olhem os carniceiros entre os girassóis.

Eu mesmo apontei aqui e em toda parte o que considerava, vamos dizer, erros de estilo do governador de São Paulo. E admito que certos movimentos que ele fez no tabuleiro político, como a migração de Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, soaram-me um tanto incompreensíveis ou contraproducentes. Faço esse destaque para considerar que, por óbvio, em coisas assim, todos erram.

Vou aqui citar um tucano ilustre, que há muito se foi: Sergio Motta. Morreu em 1998, ano em que FHC foi reeleito. Nunca mais o PSDB chegou lá, mas disputou o segundo turno em todos os pleitos até 2014. Certa feita, diante da postulação insistente de um figurão do partido, que julgava poder tomar de um outro o lugar de candidato da legenda a um determinado cargo, Motta afirmou: "Fulano, aprenda uma coisa: política tem fila".

"Ah, mas isso, Reinaldo, é coisa daquele tempo antigo, de quando havia fila..." Fato! Como diria Camões, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Mas também a mudança "já não se muda mais como soía". Parece incompreensível? Explico: Não parece que 2022 venha, assim, com a mesma disposição disruptiva de 2018. Como observador da cena, entendi, desde o princípio, que Doria havia tomado a frente na fila do PSDB.

"Ah, mas ele não fez esforços para unir o partido, e as pesquisas não espelham essa importância que você disse que ele teve na vacinação...". Verdade e verdade. Pois é. Faltou o talento apropriado — o Sérgio Motta da hora — para dizer: "Estamos desperdiçando o nosso maior ativo e vamos fazer a luta política".

Não sei qual será o desdobramento. Há uma possibilidade de o partido concluir as prévias, fazer os devidos ajustes e avançar? Pode ser. Mas é claro que as coisas ficaram mais difíceis. Para todo mundo. Por enquanto, só há derrotados nesse processo. E os urubus estão farejando a carniça.

DESACERTOS PARA TODOS OS LADOS
Vocês encontrarão apurações de bastidores que asseguram que Moro é uma peça do jogo de Doria. Nessa perspectiva, o ex-juiz não estaria apostando na Presidência e teria uma espécie de acordo de gaveta com o governador para disputar o Senado por São Paulo. E há ainda quem o veja como o vice ideal do tucano caso este vença as prévias. Você que me lê escolheria alguém como o doutor para ser o seu eventual substituto? Ele foi um fator de desestabilização do governo Bolsonaro até como ministro da Justiça...

Ocorre que o "moro-urubuzismo" mal consegue esconder a excitação com os desacertos no PSDB. Pior: a turma espalha por toda parte que o melhor mesmo seria a vitória de Eduardo Leite porque isso facilitaria um acordo que tivesse o ex-juiz como cabeça de chapa. Vale dizer: se Doria vencer o embate interno, não haveria a possibilidade de desistir da candidatura. Os hortelões da República da Ucrânia-Brasuca estão plantando freneticamente.

Essa hipótese, com um quê de conspiracionismo, convive com um fato evidente: o deputado Aécio Neves (MG) é hoje o principal antípoda de Doria no PSDB e é um defensor declarado da candidatura de Leite. Também aqui há o tempero conspiratório: a aposta do mineiro, de fato, seria numa aliança informal com Bolsonaro. Parece-me implausível: alguém imagina o tucanato como mero esbirro do presidente, sem candidato próprio ou com um nome que, logo à partida, se prestaria à cristianização?

O mais provável é que nada disso seja exatamente verdade sem que se contem apenas mentiras. De resto, note-se: se Leite pode ser um instrumento do morismo, Aécio estaria a prestigiar a Lava Jato que tentou metê-lo na cadeia?

Há, sim, uma evidência inquestionável: os moristas estão vendo o tucanato como os bárbaros viam uma cidade prestes a ser saqueada. Mostram-se prontos para usar o aríete para arrombar os portões. Entendem que o eleitorado do PSDB resiste a Lula, mas também não se sente representando por Bolsonaro. Os hoje de 4% a 6% de eleitores que votariam num candidato tucano não teriam dificuldades para migrar para Moro e poderiam ser fundamentais para eventualmente tirar Bolsonaro do segundo turno.

A ÂNSIA
Nota-se, aliás, no colunismo morista, uma certa ânsia de enterrar desde já uma candidatura tucana, qualquer que seja o vitorioso. E, admita-se, a reação de Leite e de seus partidários têm colaborado para dar curso a essa tese. O mínimo que se colhe nos bastidores é que o atual governador do Rio Grande do Sul só aceitaria a vitória.

O resultado, por enquanto, para o partido não poderia ser pior. No momento em que Moro emerge como presidenciável, com uma tropa impressionante de assessores de imprensa disfarçados de analistas e colunistas, os tucanos protagonizam uma trapalhada que vai muito além de um aplicativo que não funciona. A rigor, fica difícil reconhecer a existência de um partido.

Olhem ali os urubus entre os girassóis...