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Rubens Valente

Funai troca chefe de proteção a índios isolados em MT e alarma servidores

23.ago.2013 - Nove índios da etnia kawahiva andavam nus pela mata em Colniza, no Mato Grosso, quando foram filmados por uma equipe da Funai (Fundação Nacional do Índio). Esta é a primeira vez que a tribo, que evita contato com o homem branco, é registrada. Os homens levavam arcos e flechas, indicando que são os guerreiros do grupo (foto), enquanto as mulheres carregavam alguns objetos e as crianças - Funai/AP
23.ago.2013 - Nove índios da etnia kawahiva andavam nus pela mata em Colniza, no Mato Grosso, quando foram filmados por uma equipe da Funai (Fundação Nacional do Índio). Esta é a primeira vez que a tribo, que evita contato com o homem branco, é registrada. Os homens levavam arcos e flechas, indicando que são os guerreiros do grupo (foto), enquanto as mulheres carregavam alguns objetos e as crianças Imagem: Funai/AP

Colunista do UOL

05/05/2020 10h45Atualizada em 05/05/2020 19h30

A Funai (Fundação Nacional do Índio) trocou um dos chefes de uma frente de proteção a índios isolados em Mato Grosso sem a prévia consulta a um dos mais experientes indigenistas do órgão e responsável geral pela frente. A intervenção lança dúvidas entre os servidores sobre os planos do governo Bolsonaro para a região, onde etnias sem contato são ameaçadas pela presença de invasores, fazendeiros, madeireiros e caçadores.

O chefe do Serviço de Proteção e Promoção Etnoambiental da Frente Madeirinha-Juruena, em Mato Grosso, Marcos Antonio Fagundes de Paula Oliveira, foi exonerado de suas funções em 29 de abril pelo presidente da Funai, o delegado da PF Marcelo Xavier - a portaria saiu publicada no Diário Oficial desta segunda-feira (4). Foi substituído por Francisco das Chagas Lopes da Rocha.

É a primeira vez, desde a nomeação de Ricardo Lopes Dias na coordenação dos índios isolados, em Brasília, em janeiro passado que a Funai troca um cargo de chefia de uma frente sem a concordância do responsável de campo. Dias trabalhou cerca de dez anos com o grupo evangélico MNTB (Missão Novas Tribos do Brasil), que se dedica à conversão de indígenas à fé cristã na Amazônia, e sua nomeação vem sendo duramente criticada por diversos setores e questionada pelo MPF (Ministério Público Federal) na Justiça.

Parte do trabalho dessa frente etnoambiental foi retratada no documentário "Piripkura" (2017), exibido e premiado em vários festivais de cinema no mundo. Dirigido por Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, o filme conta os trabalhos da Funai para a proteção dos dois indígenas últimos indígenas da etnia piripkura que vivem isolados na floresta. Além dos piripkura, a frente atua na proteção dos índios isolados conhecidos como "kawahiva do Rio Pardo", perto de Colniza (MT).

É uma região conflagrada e de alto risco para os indígenas, considerados os últimos isolados da etnia kawahiva na Amazônia. Em março, o juiz federal Frederico Pereira Martins escreveu, em decisão, que "a base existente na Terra Indígena conta com uma infraestrutura precária, pouquíssimos colaboradores, além de nenhum policiamento ou força de segurança local, justamente em uma TI [terra indígena] onde os conflitos agrários historicamente fizeram erigir índices de violência alarmantes". Nessa decisão, o juiz acolheu o pedido do MPF e determinou que a Funai, a união e o governo de Mato Grosso desenvolvem operações na região para garantir a segurança da base.

O coordenador geral da frente Madeirinha-Juruena é o indigenista Jair Candor, um dos mais antigos e experientes da Funai. Segundo a coluna apurou, ele não foi ouvido sobre a exoneração do seu colaborador. Em agosto passado, a própria Funai divulgou em suas redes sociais que Candor, que trabalha há mais de 30 anos na frente Madeirinha-Juruena, foi um dos 18 vencedores do Prêmio Espírito Público 2019, considerado "a maior premiação de reconhecimento de trajetórias no setor público brasileiro".

Em nota à coluna, a Funai informou na noite desta segunda-feira: "A Funai informa que os cargos em comissão e as funções de confiança são de livre nomeação e exoneração por parte do gestor, e sua ocupação deve atender às exigências do decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019, que regulamenta critérios, perfil profissional e procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) e as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE)".

Em nota divulgada nesta terça-feira (5), o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), organização não governamental que acompanha o assunto, condenou a exoneração de Oliveira. "Este ato administrativo, tramitado sem qualquer diálogo ou justificativa plausível em meio a uma crise humanitária, embora possa parecer uma ação isolada e desprovida de maior relevância, faz parte de um processo sórdido e orquestrado de desmonte da política pública de proteção de povos indígenas isolados e de recente contato do Estado Brasileiro, construída à duras penas por indigenistas e indígenas ao longo dos últimos 33 anos."