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Rubens Valente

Yanomamis e CNDH vão à comissão da OEA para pedir expulsão de garimpeiros

Os Yanomami em trilha durante o encontro de Lideranças Yanomami e Ye"kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami - Victor Moriyama / ISA/Victor Moriyama / ISA
Os Yanomami em trilha durante o encontro de Lideranças Yanomami e Ye'kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami Imagem: Victor Moriyama / ISA/Victor Moriyama / ISA

Colunista do UOL

16/06/2020 18h57

A Hutukara Associação Yanomami e o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) solicitaram nesta terça-feira (16) que a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), sediada em Washington (EUA), oriente o governo brasileiro a fazer a retirada de todos os garimpeiros que operam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. As entidades pedem ação do governo a fim de tentar impedir a disseminação do novo coronavírus.

Os yanomamis calculam que há mais de 20 mil garimpeiros dentro da terra indígena, que já sofre os efeitos da pandemia. Até maio, a Covid-19 já havia matado um adolescente yanomami e contaminado outros cinco indígenas dentro do território. Logo depois, uma rede de pesquisadores e apoiadores divulgou em 8 de junho que já haviam sido registrados quatro mortes e 82 casos dentro da terra indígena, considerada uma das mais vulneráveis no país para o alastramento da doença.

O eventual descumprimento, pelo governo brasileiro, de uma liminar concedida pela CIDH não tem efeito jurídico direto, mas sim diplomático e econômico, além de possibilitar a abertura de uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em São José, na Costa Rica.

Órgão autônomo da OEA (Organização dos Estados Americanos), a CIDH supervisiona o cumprimento da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor em 1978 e foi ratificada em setembro de 1997 por 25 países, incluindo o Brasil. A Convenção estabelece os direitos humanos que os países se comprometem a respeitar e dar garantias de cumprimento. A CIDH tem o poder, entre outros, de requerer aos Estados-membros que adotem "medidas cautelares" a fim de evitar danos graves e irreparáveis aos direitos humanos em situações urgentes. Por fim, pode também solicitar "medidas provisionais" à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nos últimos anos organizações do Brasil fizeram vários pedidos à CIDH por supostas violações de direitos humanos, incluindo as decorrentes da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, inaugurada pela presidente Dilma Rousseff em 2016. Desde o começo do governo Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, já foram apresentados pelo menos três pedidos à CIDH.

A solicitação dos yanomamis é subscrita pelo vice-presidente da Hutukara, Dario Kopenawa, que é filho do líder yanomami Davi Kopenawa, e pelo presidente do CNDH, o defensor público da União Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira. O CNDH é vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves. Em fevereiro passado, uma articulação política entre a ministra e o procurador-geral da República, Augusto Aras, tentou eleger para a presidência um nome ligado à direita, mas foi impedida após uma reação dos mais de 20 membros que integram o CNDH e que elegeram Oliveira para o cargo.

A Terra Indígena Yanomami, a maior do país em extensão, com 9,6 milhões de hectares, quase do tamanho de Portugal, é habitada por cerca de 26 mil indígenas yanomamis e ye'kwanas em cerca de 320 aldeias, além de oito registros de grupos isolados.

Na petição à CIDH, de 31 páginas, Kopenawa e Oliveira pedem a retirada imediata dos garimpeiros e a adoção "de medidas urgentes e eficazes para impedir novas invasões". Solicitam ainda "medidas urgentes e efetivas" para conter o avanço dos casos da Covid-19 dentro da terra indígena, a reativação das bases de proteção etnoambientais da Funai na região, a identificação e punição dos responsáveis pelo financiamento e operação da atividade garimpeira ilegal e um plano d proteção territorial, entre outras medidas.

"A par das insuficiências estruturais do sistema de saúde indígena para a contingência e tratamento da doença, a população Yanomami e Ye'kwana está perigosamente exposta à doença devido à intensificação da atividade garimpeira ilegal do garimpo em suas terras desde 2018, sem que o Estado brasileiro tenha tomado, com a devida diligência, as medidas necessárias para impedi-la. Assim, as comunidades Yanomami e Ye'kwana estão sob risco de sofrer novamente de graves violações de direitos humanos como consequência da invasão de suas terras tradicionais por garimpeiros, e das epidemias que resultam desse contato", afirma a petição.

Mourão reconheceu invasão

Em 11 de maio, durante uma entrevista coletiva em Brasília, o vice-presidente da República, o general da reserva Hamilton Mourão, presidente do Conselho de Defesa da Amazônia, reconheceu a invasão garimpeira na terra indígena Yanomami, chamando-a de "um problema recorrente". "A região dos rios Uraricoera e Mucajaí, que eu conheço muito bem, no nosso estado de Roraima, desde a década de 90 é submetida constantemente a invasões de garimpeiros. Aquela região se liga ao chamado 'arco mineiro', no sul da Venezuela, onde tem uma exploração de garimpo muito forte, então há uma interação muito forte desses quadros", disse Mourão.

"Então compete realmente ao Estado brasileiro que nós consigamos efetuar o bloqueio. Todo o tempo nós temos tido tropas do Exército, já houve inclusive trocas de tiros nessa região, entre elementos que tentavam entrar na área e a tropa do Exército que estava bloqueando, mas nós temos que reforçar, efetivamente, e buscar uma desintrusão desses garimpeiros que estão operando lá", afirmou o vice-presidente.