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Rubens Valente

Com advogados da AGU, Salles interpela 4 pessoas por críticas à sua gestão

Ricardo Salles questionou judicialmente, via AGU, declarações críticas à sua gestão - José Cruz/Agência Brasil
Ricardo Salles questionou judicialmente, via AGU, declarações críticas à sua gestão Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

24/11/2020 15h27

O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) ajuizou, por meio da estrutura jurídica da AGU (Advocacia Geral da União), interpelações judiciais contra quatro pessoas na Justiça Federal em razão de textos críticos sobre a sua gestão no ministério.

Um dos alvos até aqui conhecidos, conforme o UOL revelou em outubro, é o coordenador do Observatório do Clima, coalizão de organizações não governamentais, o ambientalista Márcio Astrini, por críticas que ele fez a Salles numa entrevista ao jornal "O Globo". Um levantamento agora feito pela coluna mostra que a mesma prática foi adotada por Salles contra o cientista Antonio Donato Nobre, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e os jornalistas André Borges, de "O Estado de S. Paulo", e Cedê Silva, do site "O Antagonista".

No caso de André Borges, jornalista dedicado à cobertura sobre meio ambiente, o ministro recuou e pediu o arquivamento da notificação antes que ela chegasse ao repórter. Embora o profissional trabalhe na sucursal do jornal em Brasília, Salles ajuizou a notificação na Justiça Federal da cidade de São Paulo. Essa desistência ocorreu uma semana depois de o UOL revelar a notificação contra Márcio Astrini.

Uma notificação judicial é uma medida preparatória para eventualmente ser usada em uma outra ação judicial que não precisa ser definida no primeiro momento. Em síntese, a AGU pediu que as pessoas confirmassem, negassem ou dessem mais detalhes sobre textos que foram divulgados a respeito da gestão do ministro. A partir das respostas, o ministro pode partir para alguma ação judicial ou simplesmente nada fazer.

Procurado pelo UOL na noite desta segunda-feira (23), o ministro do Meio Ambiente não havia se manifestado até o fechamento deste texto.

Antonio Nobre foi interpelado porque Salles ficou incomodado com uma entrevista concedida pelo cientista e que integra o texto intitulado "Floresta amazônica atinge ponto de não retorno", publicado em março passado na internet pelo site de notícias ambientais "EcoWatch Environmental News for a Healthier Planet and Life". Segundo o texto, Nobre diz que há "pessoas perigosas no governo" de Jair Bolsonaro e que "o ministro do Meio Ambiente é um criminoso condenado", de acordo com uma tradução livre (a frase no original é "the Minister of Environment is a convicted criminal").

Ministro recorre a condenação por improbidade administrativa

Nobre fazia referência à notícia amplamente divulgada pelo Judiciário e pelos meios de comunicação sobre a condenação de Salles, em dezembro de 2018, por improbidade administrativa em sentença proferida pelo juiz Fausto José Martins Seabra, que determinou ainda o pagamento de uma multa e a "proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios".

A condenação foi resultado de uma ação civil pública e de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público de São Paulo em maio de 2017. Na época dos fatos, Salles era o secretário estadual do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). Salles recorreu da sentença de primeira instância e hoje o caso está sob análise do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A AGU ajuizou a notificação na 3ª Vara Federal de São José dos Campos (SP). Ela foi acolhida pelo juiz federal, que mandou intimar Nobre. A defesa do cientista e pesquisador foi representada pelos advogados José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça), Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, Theodomiro Dias Neto, Maurício de Carvalho Araújo, Elaine Angel, Francisco Pereira de Queiroz, Philippe Alves do Nascimento e Bruna Sanseverino.

Em decisão no começo de outubro, o juiz Renato Barth Pires informou que Salles "considerou suficientes as explicações prestadas pelo notificado [Nobre]", e por isso determinou o arquivamento dos autos porque considerou "esgotada a prestação jurisdicional".

AGU afirma que atuação em favor do ministro é legal

Em relação ao jornalista Cedê Silva, Ricardo Salles o notificou com uma série de perguntas sobre o texto intitulado "De olho em fundo bilionário, Salles aperta mordaça sobre funcionários", publicado também em março passado.

Nas perguntas encaminhadas ao jornalista, o ministro não nega a publicação da portaria e sugere que os contatos dos servidores com a imprensa devem passar pela assessoria de comunicação, como seria a praxe nos órgãos públicos. "O Antagonista", procurado pela coluna, preferiu não se manifestar sobre o assunto.

No caso do jornalista André Borges, não foi possível à coluna saber qual o conteúdo da petição de Salles e a qual texto ele se refere, pois o profissional não chegou a ser intimado.

Em outubro, numa nota de solidariedade ao caso de Astrini, diversas ONGs e pesquisadores consideraram a notificação de Salles uma "tentativa de intimidação" e "ameaça à liberdade de atuação de toda a sociedade, que quer e deve ter voz ativa".

Nos quatro casos, Salles foi representado por advogados da União, ou seja, nada desembolsou para dar início aos processos. A AGU afirma que há previsão legal para atuar em casos do gênero. Numa nota encaminhada à coluna em outubro, a respeito da notificação de Astrini, a AGU afirmou: "A Advocacia-Geral da União atua em casos da espécie por força expressa e literal previsão legal havida no caput do art. 22 da Lei n. 9.028, de 1995 ('...inclusive promovendo ação penal privada...'). No mais, a AGU não comenta estratégia processual".