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Rubens Valente

REPORTAGEM

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PGR arquiva representação de ex-procuradores contra Bolsonaro sobre Covid

Donald Trump e Jair Bolsonaro se encontram em Miami no dia 7 de março de 2020 - Foto: Jim Watson / AFP
Donald Trump e Jair Bolsonaro se encontram em Miami no dia 7 de março de 2020 Imagem: Foto: Jim Watson / AFP

Colunista do UOL

12/02/2021 18h00

A PGR (Procuradoria Geral da República) arquivou nesta sexta-feira (12) a representação protocolada em janeiro por um grupo de ex-procuradores da República contra o presidente Jair Bolsonaro por suposto "crime de epidemia". Eles queriam que a PGR apresentasse uma denúncia contra Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal), a quem cabe processar e julgar presidentes da República.

Ao opinar pelo arquivamento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apontou a "impossibilidade material do surto do novo coronavírus ser imputado a uma pessoa. É que resultando a propagação da Covid-19 de uma transmissão difusa e, alguns casos, já sustentada, a reconstrução de sua cadeia de propagação acaba sendo, na prática, inviável".

Segundo Medeiros, "para que a aplicação do mencionado tipo penal pudesse ser exequível no atual contexto epidemiológico, seria necessário admitir-se possibilidade de se encontrar e punir a pessoa que deu origem à pandemia, algo que, naturalmente, não se pode cogitar".

O vice-procurador-geral mencionou ainda que outras notícias de fato e representações sobre o mesmo tipo penal contra Jair Bolsonaro já foram arquivadas pela PGR e pelo menos uma delas teve seu arquivamento já acolhido pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello.

Medeiros disse que "em respeito à máxima segundo a qual onde há a mesma razão deve prevalecer a mesma decisão, descabe adotar-se nos presentes autos qualquer outra medida".

O artigo 267 do Código Penal prevê que é crime "causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos". Se processado, Bolsonaro poderia pegar uma pena que oscila de 10 a 15 anos de reclusão.

A representação foi protocolada no último dia 29 de janeiro pelos ex-procuradores da República Claudio Lemos Fonteles, que foi procurador-geral da República de 2003 a 2005, Deborah Duprat, que foi procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Alvaro Augusto Ribeiro, Paulo de Tarso Braz Lucas e Wagner Gonçalves e pelo desembargador aposentado do TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região Manoel Lauro Volkmer de Castilho. Eles agora têm um prazo de dez dias para pedir à PGR uma reconsideração da decisão.

A representação menciona a viagem que Bolsonaro fez ao Estados Unidos em março do ano passado, que foi seguida pela participação do presidente num evento publico no Brasil sem máscara e sem distanciamento social, com grande aglomeração em Brasília, além denunciar que Bolsonaro "induziu a população a ignorar a gravidade da doença e a reproduzir o seu comportamento, gerando aglomerações cada vez mais frequentes, sem utilização de qualquer cuidado, com ampla transmissão do vírus, resultando num cenário que ultrapassa 220 mil mortes".

Os ex-procuradores mencionaram que a tese levantada na representação "é a de que as condutas do presidente da República, desde o início da pandemia da Covid-19, tipificam também o crime de epidemia previsto no artigo 267 do Código Penal".

"Convém recordar, desde logo, que o bem jurídico aqui tutelado é a incolumidade pública, particularmente em relação à saúde pública. Incolumidade pública [...] 'é o estado de preservação ou segurança em face de possíveis eventos lesivos'. Tal compreensão é ainda mais pertinente quando se leva em conta o atual tratamento constitucional da matéria. [...] 'A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos'", diz a representação.

"Significa dizer que, mesmo que estejam em jogo duas alternativas igualmente possíveis em termos de saúde pública, a escolha necessariamente deve recair sobre aquela que representa o menor risco para a coletividade."

Os ex-procuradores citaram 36 datas em que Bolsonaro fez "discursos no sentido de minimizar a pandemia, estimular o retorno às atividades presenciais, inclusive mediante o uso da cloroquina".

A representação menciona que "o discurso criminoso de Bolsonaro prosseguiu mesmo após o TCU [Tribunal de Contas da União] alertar a Casa Civil sobre a 'ausência de diretriz estratégica clara de enfrentamento à Covid-19, com a respectiva gestão de riscos, bem como a ausência de um plano de coordenação coordenado e abrangente'".

Os ex-procuradores citaram ainda uma nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que "expõe que a pandemia não é corretamente tratada no país e, sem medidas de distanciamento social, há risco concreto de colapso generalizado na Saúde".

"Da mesma forma que alguém que agrave uma lesão existente responde por lesão corporal, presidente que intensifica a epidemia existente responde por esse crime. Jair Bolsonaro sempre soube das consequências de suas condutas, mas resolveu correr o risco. O caso é de dolo, dolo eventual, e não culpa."

Na decisão do arquivamento, o vice-procurador-geral afirmou que "a compreensão da norma não pressupõe perspectiva nela mesma, e sim nos fatos".

"Nesta representação, contudo, o factual sequer está bem retratado. Os representantes partem de conjectura equivocada, por exemplo, quando afirmam que o representado [Bolsonaro] teria deixado de se submeter a testes para detecção do novo coronavírus logo após o retorno da viagem que realizou ao estado da Florida entre os dias 7 e 10 de março do ano passado. Não foi o que ocorreu, pois documentos juntados pela Advocacia Geral da União no Supremo Tribunal Federal revelam que o representado realizou exames do tipo RT-PCR Tempo Real nos dias 12, 17 e 18 de março do ano passado, todos com resultados negativos. Esses dados afastam a possibilidade de que ele teria assumido o risco de transmitir Covid-19 na manifestação à qual compareceu no dia 15 subsequente."

Medeiros argumentou ainda que Bolsonaro "não precisou se isolar, conforme advogam os representantes, porque não havia até então legislação que prescrevesse a medida e ainda que houvesse, o resguardo seria desnecessário, ante a vinda do diagnóstico de que não tinha se contaminado". O vice-procurador-geral disse que "o Ministério da Saúde regulamentou os critérios de isolamento e quarentena que deveriam ser aplicados pelas autoridades sanitárias em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus apenas no dia 12 de março".

Procurada pela coluna, a ex-procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat afirmou: "A nossa representação mostra a centralidade do Bolsonaro no agravamento da pandemia. É uma incoerência da PGR ter um procedimento investigativo contra o Ministro da Saúde [Eduardo Pazuello], e nada contra o presidente da República".