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Rubens Valente

REPORTAGEM

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PF confirma ao STF que Exército retirou apoio a ação contra garimpo no Pará

Casa da líder indígena Maria Leusa Kaba, contrária ao garimpo ilegal, é incendiada na Terra Indígena Munduruku, no Pará, em 26 de maio de 2021 - Divulgação
Casa da líder indígena Maria Leusa Kaba, contrária ao garimpo ilegal, é incendiada na Terra Indígena Munduruku, no Pará, em 26 de maio de 2021 Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

05/06/2021 04h01

Em ofício encaminhado ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, a Polícia Federal confirmou que o Exército retirou o apoio, na última hora, a uma operação para reprimir garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, no Pará. Em retaliação à ação da polícia, garimpeiros ameaçaram indígenas e incendiaram duas casas de lideranças indígenas contrárias ao garimpo.

No último dia 28, a coluna revelou o ofício pelo qual o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, informou que não participaria da operação, ao contrário do planejado, sob o argumento de falta de verbas, apenas cinco dias antes do início da ação policial.

Em resposta à coluna, um dia depois de procurado, o Ministério da Defesa distorceu a coluna, disse que "não procedia" mas, de forma contraditória, ao mesmo tempo confirmou que "aguarda a liberação de recursos orçamentários extraordinários em ação orçamentária específica deste Ministério para atender às operações contidas no Plano Operacional da Polícia Federal, para o pleno atendimento à decisão da ADPF 709, especialmente na região fora da faixa de fronteira".

Barroso é o relator da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, ajuizada em 2020 pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

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Luís Roberto Barroso, ministro do STF
Imagem: Felipe Sampaio/STF

A informação de nove páginas enviada pela PF a Barroso na última quarta-feira (2) desmente a negativa do Ministério da Defesa e confirma a coluna publicada no dia 28 de maio.

"O Plano previa a participação do Exército Brasileiro (EB), conquanto responsável por prover apoio logístico (alojamento de campanha e alimentação das equipes), bem como proteção da base operacional a ser montada no aeródromo de Jacareacanga (PA)," afirmou a PF ao ministro Barroso, em ofício subscrito pelo superintendente do órgão no Pará, o delegado Wellington Santiago da Silva.

"A Força Terrestre ainda disponibilizaria helicópteros tipo Black Hawk, consideradas aeronaves mais adequadas para transporte de tropas e com maior autonomia para acessar áreas de interesse identificadas nos levantamentos preliminares. Dois dias antes do início das atividades sobreveio notícia da não participação do Exército Brasileiro, sob o argumento da falta de recursos para suprir os custos operacionais, circunstância que provocou realinhamento dos meios para execução das ações", lê-se ainda no documento.

O superintendente, por outro lado, procurou minimizar o cancelamento do apoio do Exército ao dizer que "a nova organização dos meios de execução afastou eventual prejuízo, de sorte a viabilizar o alcance de todos objetivos propostos, inclusive a proteção da área da base operacional, considerando a perspectiva de insurgências, o que de fato aconteceu".

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Casa da líder indígena Maria Leusa Kaba é incendiada na Terra Indígena Munduruku, no Pará, em 26 de maio de 2021
Imagem: Divulgação/MPF

Cancelamento de auxílio causou danos aos indígenas, diz MPF

A exemplo da PF, o Ministério Público Federal também confirmou ao ministro Barroso a ausência das Forças Armadas na operação. Informou, contudo, que a decisão causou danos à operação e colocou em risco lideranças indígenas contrárias à exploração mineral ilegal na terra indígena.

"Destacamos que o resultado prático da retirada de apoio logístico das Forças Armadas à Operação [Mundurukânia] foi a grave deficiência na manutenção da ordem em Jacareacanga (PA) e no interior da Terra Indígena Munduruku, que ocasionou danos concretos aos indígenas Munduruku, como a invasão na aldeia Tapajós e queima da residência da liderança Maria Leusa Cosme Kaba Munduruku, que se viu forçada a sair de sua aldeia, juntamente com seus familiares, para evitar a perpetração de novos ataques", informaram dois procuradores da República no Pará responsáveis pelo acompanhamento da operação, Paulo de Tarso Moreira Oliveira e Gabriel Dalla Favera de Oliveira.

A posição do MPF foi comunicada a Barroso pela subprocuradora-geral da República Eliana Peres Torelly de Carvalho, coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, vinculada à PGR (Procuradoria Geral da República).

O MPF lembrou que não é a primeira vez que as Forças Armadas contrariam "o planejamento pactuado". Em 2 de agosto do ano passado, a FAB (Força Aérea Brasileira), "por razões até o momento não esclarecidas", fez um pouso no aeródromo de Jacareacanga (PA), "nas vésperas da operação, o que alertou a imprensa local e os garimpeiros sobre a fiscalização".

Segundo o MPF, "o planejamento previa que os aviões militares deveriam utilizar o campo de provas Brigadeiro Veloso, na base militar da Serra do Cachimbo, em vez do aeroporto de Jacareacanga, de forma a resguardar o sigilo da incursão e o elemento surpresa, imprescindível à efetividade deste tipo de operação".

No ofício enviado à PGR, que o reencaminhou ao STF, os procuradores explicaram que os garimpos ilegais nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, em Jacareacanga (PA), "são responsáveis pela violação massiva, generalizada e sistemática aos direitos mais fundamentais do povo indígena Munduruku, como o direito à vida, à integridade física e cultural, à terra e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais".

"Nos últimos dois anos", alertaram os membros do MPF, "o cenário adquiriu contornos ainda mais trágicos, com a expansão desenfreada dos garimpos e com a invasão do território pelo crime organizado paramilitar, como revelaram as recentes Operações Divitia 709 e Bezerro de Ouro".

"O fortalecimento do crime organizado no território munduruku acontece sob o olhar do Estado brasileiro, que não tem sido minimamente capaz de agir de forma eficiente e coordenada na repressão às atividades criminosas nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza. Em que pese o longo histórico de reivindicação do povo Munduruku e da insistência extrajudicial e judicial deste órgão ministerial, incursões in loco para reprimir a atividade criminosa têm sido realizadas em quantidade e magnitude absolutamente insuficientes."

O MPF advertiu que "é grave o fato de que as últimas duas operações in loco realizadas, a Pajé Brabo e a Mundurukânia, tiveram seu desenvolvimento prejudicado em razão do vazamento de informações e de súbitas e decisivas retiradas de apoio por parte das Forças Armadas ou da Força Nacional de Segurança Pública, em circunstâncias até o momento não muito bem esclarecidas".

"A interrupção abrupta das operações expõe os indígenas à violência e culmina em eventos extremos, como os sucessivos ataques à sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborun e o incêndio doloso nas casas da família de uma das principais vozes contra os garimpos ilegais no território indígena."

PF confirmou ataques a lideranças indígenas e policiais

No ofício enviado ao ministro Barroso, a PF confirmou que casas de duas lideranças indígenas, Maria Leusa Kaba e Ademir Kaba, "contrárias à exploração mineral dentro da TI [terra indígena]", sofreram "invasão e incêndio".

Os órgãos participantes da Operação Mundurukânia foram a PF, com 32 policiais e um helicóptero, a Polícia Rodoviária Federal, com 28 servidores e um helicóptero, a Força Nacional (30) e o Ibama, com 14 servidores e quatro helicópteros.

A PF disse ao STF que foram localizadas cinco áreas de garimpo, com a destruição de seis retroescavadeiras, conhecidas como "PCs", dez motores de sucção, dez acampamentos e 50 mil litros de óleo diesel.

Segundo a PF, depois que circularam as informações sobre a destruição dos equipamentos, "eclodiu onda de manifestações violentas na sede do município de Jacareacanga (PA), gerando cenário conflituoso".

Cerca de 200 manifestantes se aproximaram do aeroporto local, segundo a PF.

"A intenção dos manifestantes era invadir a base e destruir, através de incêndio, as aeronaves e equipamentos da PF, PRF, FNSP e Ibama. Houve arremesso de pedras e rojões em direção aos agentes públicos. A turba foi contida com emprego das equipes de dispersão. O mesmo grupo retraiu e tomou rumo para o trevo rodoviário de acesso ao aeroporto, havendo nova necessidade de uso progressivo da força, considerando o acirramento de ânimos e lançamento de pedras e rojões, inclusive atingindo dois policiais e viatura oficial", diz o relatório da PF.

Defesa disse, em nota, que aguardava recursos orçamentários

Na nota do Ministério da Defesa, agora desmentida pela PF e pelo MPF, enviada à coluna em 28 de maio, na qual distorceu a reportagem do mesmo dia - que nunca tratou dos garimpos de Roraima e Rondônia, e sim os do Pará na Terra Indígena Munduruku -, o órgão afirmou, na íntegra:

"O Ministério da Defesa (MD) informa que não procede a informação de que a 'Defesa cancelou apoio à operação da PF contra garimpos no Pará', como afirmou reportagem do Portal UOL publicada, nesta sexta-feira, 28 de maio, induzindo o leitor à desinformação.

Ao contrário do que foi dito na matéria, atualmente estão ocorrendo ações de apoio logístico à Polícia Federal contra ilícitos em terra indígena Yanomamis (Palimiú) e na terra indígena Karipuna, sendo essas duas missões dentro da faixa de fronteira.

Cabe mencionar que, desde 2020, foram realizadas diversas ações das Forças Armadas, em conjunto com a Polícia Federal, nas Terras Indígenas Yanomamis. Ocorreram, por exemplo, as operações Ágata e Verde Brasil 2. Essas missões obtiveram os seguintes resultados: 135 dias de patrulhamentos em 77 missões em comunidades indígenas, a desativação de 19 garimpos ilegais e 10 pistas de pouso clandestinas. Além disso, houve as ocupações por 590 dias da Base de Apoio e Proteção Etnoambiental (BAPE) no Rio Mucajaí, em apoio à Fundação Nacional do Índio (FUNAI); por 135 dias a Base Waicás no Rio Uraricoera, próximo à região de Palimiú; e a presença das Forças Armadas, em parceria com a PF, por 120 dias na BAPE Araguaia no Rio Uraricoera, dentre outras ações.

O Ministério da Defesa aguarda a liberação de recursos orçamentários extraordinários em ação orçamentária específica deste Ministério para atender às operações contidas no Plano Operacional da Polícia Federal, para o pleno atendimento à decisão da ADPF 709, especialmente na região fora da faixa de fronteira.

Por fim, o Ministério da Defesa enfatiza que as Forças Armadas permanecem em condições de executar, de forma tempestiva, as missões institucionais previstas na legislação vigente."