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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Ibama decide restringir acesso a processos de multas por crime ambiental

Fiscalização do Ibama - Divulgação/Ibama
Fiscalização do Ibama Imagem: Divulgação/Ibama

Colunista do UOL

12/06/2021 04h00

O Ibama tornou "restritos" milhares de processos administrativos, incluindo autuações e fiscalizações ambientais, que poderiam ser abertos ao público no final deste mês no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) do governo federal na internet. De um total de 595 categorias de processos que tramitam no órgão, 199 foram consideradas "restritas" e só poderão ser liberadas após uma análise interna, caso a caso, a partir de pedidos que eventualmente sejam feitos pela Lei de Acesso à Informação.

A decisão modifica um entendimento anterior do setor responsável pela fiscalização do órgão, de julho de 2020, que previa a liberação de acesso a esse tipo de documento. A qualificação de documentos como "restritos" não se confunde com as hipóteses de sigilo já previstas na Lei de Acesso à Informação, que seguem também valendo no órgão e que são: reservada, com prazo máximo de 5 anos para divulgação, secreta (15) e ultrassecreta (25).

Também ficam como "restritos", segundo a decisão do Ibama, processos de conversão de multas ambientais, "apuração ética", análises de conflito de interesse, combates a incêndios florestais, cooperação internacional, todos os processos de avaliação e registro de agrotóxicos e controle de poluição provocada por veículos, entre outros tipos de documentos.

Além de prejudicar o acesso dos papéis ao público externo, a decisão deverá afetar os próprios servidores do Ibama, que agora precisarão passar por todo um procedimento interno a fim de ter informações que até então estavam abertas à consulta interna.

A decisão foi comunicada em ofício-circular desta quarta-feira (9) pelo diretor de Planejamento, Administração e Logística e presidente substituto do órgão, Luis Carlos Hiromi Nagao, tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo que se tornou diretor no Ibama em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, como parte do processo de militarização do órgão autorizado pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).

Há três semanas, após o afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim, determinado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federa) Alexandre Moraes no decorrer de um inquérito aberto pela Polícia Federal, Nagao assumiu a presidência interina do Ibama.

A questão gira em torno do SEI do governo federal. Por esse sistema, disponível na internet, o usuário deveria acessar a íntegra dos processos administrativos públicos - ou seja, não classificados em nenhum dos três graus de sigilo previstos na Lei de Acesso - que tramitam na União. Na prática, porém, vários órgãos e ministérios ainda bloqueiam o acesso público.

Após recomendações de órgãos de fiscalização e controle como o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria Geral da União), diversos órgãos da União passaram ou deveriam passar a adotar mais transparência no sistema, em especial no campo da consulta aberta ao público externo.

No caso do Ibama, isso é tema administrativo há mais de dois anos. Em janeiro de 2019, por exemplo, o diretor de Licenciamento Ambiental, Jonatas Souza da Trindade, mandou um memorando à diretoria de Planejamento para saber "o andamento da implementação do módulo externo do SEI, que permite a consulta pública de processos e respectivos documentos criados ou incluídos neste sistema, tendo em vista a necessidade de ampliar a transparência e de facilitar o acesso aos processos de licenciamento ambiental conduzidos por esta instituição".

Em 2020, a diretoria de Planejamento pediu que os diversos setores do Ibama fizessem a identificação e a categorização dos processos administrativos "entre os níveis de Acesso 'Público' ou 'Restrito'". Foram geradas planilhas que informavam a necessidade da restrição para cada categoria de documento.

No último dia 27 de janeiro, a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama pediu que os setores validassem ou atualizassem a planilha do ano anterior. Pelo entendimento até então adotado, os processos categorizados como "Apuração de Infrações Ambientais" apareciam livres de restrição.

Um mês depois, contudo, a situação mudou e essa categoria passou a ser indicada como "restrita". A Coordenação-Geral de Fiscalização Ambiental afirmou, em ofício à Diretoria de Proteção Ambiental, que "quando a manifestação das coordenações foi divergente, prevaleceu a indicação pela restrição".

Por fim, na última quarta-feira, em ofício-circular, Luis Nagao informou aos diversos setores do órgão que "já estão em curso as providências necessárias para a disponibilização da consulta externa a processos e documentos ostensivos, produzidos ou custodiados no SEI-Ibama, por meio da Pesquisa Pública, que poderá ser feita pelo cidadão de forma eletrônica diretamente no Site do Ibama, objeto do presente processo".

Segundo Nagao, "apesar de já implantado, o módulo de Pesquisa Pública do SEI, disponível no site do Ibama, não permitia aos usuários não cadastrados o acesso integral ao conteúdo dos processos (documentos, planilhas, formulários etc), estando disponível apenas a consulta dos metadados e da tramitação processual".

Mas agora, disse Nagao, "com a implementação da nova funcionalidade, será possível a qualquer pessoa acessar diretamente pela Pesquisa Pública no site o conteúdo integral dos processos ostensivos, ou seja, todos aqueles que não tenham Nível de Acesso definido como Restrito ou Sigiloso".

"Para os casos em que na Pesquisa Pública o cidadão buscar algum processo com nível de acesso restrito ou sigiloso (ou que contenha ao menos um documento com esse nível de acesso definido), o cidadão irá receber a orientação no site sobre necessidade de solicitar o acesso por meio do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), sendo que tal solicitação, quando realizada no SIC, será remetida à unidade do Ibama que definiu a restrição, para análise caso a caso", orientou o diretor do Ibama.

A coluna procurou o Ibama no final da tarde desta sexta-feira (11). Em nota, na íntegra, o órgão respondeu: "O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que a necessidade de classificação por tipo de documento decorre de exigência legal".

Indagado sobre qual seria essa "exigência legal", o órgão não havia respondido até o fechamento deste texto.