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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Defensorias querem suspender ato do governo sobre internação de jovens

Sede do Ministério da Justiça em Brasília - Google Maps
Sede do Ministério da Justiça em Brasília Imagem: Google Maps

Colunista do UOL

01/07/2021 18h22Atualizada em 01/07/2021 18h55

A DPU (Defensoria Pública da União) e cinco Defensorias Públicas Estaduais (PE, RJ, SP, MT E PR) ajuizaram uma ação civil pública na Justiça Federal de Pernambuco pela qual pedem a suspensão de uma resolução de 2020 do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas), vinculado ao Ministério da Justiça.

A resolução regulamenta o acolhimento em comunidades terapêuticas de adolescentes com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas.

A resolução do Conad foi assinada pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, atualmente titular da AGU (Advocacia Geral da União). Ele é cotado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para indicação a uma vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) no lugar do ministro Marco Aurélio Mello, que vai se aposentar no dia 12 de julho.

O texto do Conad estabelece que a adesão à internação dos jovens de 12 a 18 anos incompletos poderá ser feita de maneira voluntária e com autorização de um dos pais ou do responsável legal. Para as Defensorias, o texto atinge o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) — que completará 30 anos no próximo dia 13 —, que prevê necessidade de ordem judicial para internações.

Procurados pela coluna para falar sobre a ação e a resolução, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a AGU (Advocacia Geral da União) não responderam até o fechamento deste texto. Caso os órgãos se manifestem, o texto será atualizado.

andré mendonça -  José Cruz/ Agência Brasil  -  José Cruz/ Agência Brasil
Atual titular da AGU, André Mendonça é cotado para o STF
Imagem: José Cruz/ Agência Brasil

'Resolução do governo é ilegal'

Na ação, as Defensorias observam que o acolhimento de crianças e adolescentes "é medida provisória e excepcional [artigo 101, § 1º do ECA], somente pode ocorrer em casos de violações de seus direitos e sua aplicação é restrita à autoridade judiciária".

Ainda de acordo com as Defensorias, a resolução "é ilegal" e também contraria "a Constituição da República, a Lei nº 10.216/2001, a Lei nº 11.343/2006 e a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas".

"Confinar adolescentes nessas comunidades terapêuticas é uma afronta à sociedade e uma distorção absurda do dever do estado de cuidar e proteger de suas crianças e adolescentes", apontaram as Defensorias.

A resolução foi assinada depois que, em julho de 2019, o governo Bolsonaro alterou a composição do Conad, excluindo as vagas destinadas a especialistas e integrantes da sociedade civil.

O órgão passou a ter 14 membros, dos quais 12 destinados a cargos de ministro de Estado ou indicado por ministérios e órgãos federais.

O Conad perdeu as representações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), do Conselho Federal de Educação (CFE), da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

adolescentes - Apu Gomes / Folhapress - Apu Gomes / Folhapress
Comunidades terapêuticas têm sido alvo de denúncias de maus tratos nos últimos anos
Imagem: Apu Gomes / Folhapress

Comunidades têm sido alvo de denúncias

Na ação, as Defensorias afirmam que "as consequências desastrosas da Resolução já podem ser sentidas, mesmo com sua recente edição". Citam como exemplo uma comunidade terapêutica de Minas Gerais que "tem sido alvo de denúncias pelas irregularidades praticadas".

"Segundo reportagem da Agência Pública, no início de outubro de 2020, foram encontrados 38 (trinta e oito) meninos que estariam sendo submetidos a uma rotina de religiosidade, ameaças e violência física", diz a ação.

No mesmo local, um adolescente de 16 anos foi assassinado a golpes de enxada por outro adolescente internado.

Apesar da morte e das "inúmeras denúncias de violações de direitos humanos e torturas", apontaram as Defensorias, "a entidade continua habilitada para receber repasses públicos, em especial do governo federal".

De acordo com a ação civil púbica, "não houve qualquer transparência dos procedimentos administrativos em geral" para o texto da resolução, "pois o Conad sequer informou o caminho técnico que levou à edição da Resolução".

Os defensores afirmam que não houve participação do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) na formulação do texto.

Os defensores disseram que o Conanda, o CNS (Conselho Nacional de Saúde) e o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) já "expressamente externaram", por meio de uma resolução conjunta de agosto de 2020, "a posição contrária ao acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas".

Segundo as Defensorias, o Conanda "é a instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, sendo assim o órgão responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e diretrizes disciplinados no ECA".

As comunidades terapêuticas têm crescido em quantidade, alertam os defensores. Eles afirmam que esses locais "buscam se consolidar como opção de tratamento imediatamente disponível. Entretanto, tais instituições oferecem um modelo de tratamento contrário aos princípios da Reforma Psiquiátrica, reproduzindo algumas das piores práticas do modelo psiquiátrico, ao isolar as pessoas do convívio social e praticar violações sistemáticas de direitos."

As Defensorias citaram a mais recente Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, que visitou 28 instituições em 12 unidades da Federação.

O estudo concluiu: "As comunidades terapêuticas visitadas, conforme as informações obtidas nas inspeções, não oferecem ferramentas que permitam, às pessoas internadas, a produção de novos projetos de vida ou a aquisição de capacidades e formação para retornar ao convívio familiar, ao trabalho ou à comunidade, conforme os relatos a seguir - que, novamente, não pretendem reproduzir a totalidade de situações encontradas nem as individualizar, mas oferecer um panorama dos achados".

A ação civil pública é subscrita pelos defensores públicos federais regionais de direitos humanos André Carneiro Leão (PE), Maíra de Carvalho Pereira Mesquita (PE), Thales Arcoverde Treiger (RJ) e Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira (MT) e os defensores públicos estaduais Ana Carolina Ivo Khouri (PE), Rodrigo Azambuja Martins (RJ), Ana Carolina Golvim Schwan (SP), Daniel Palotti Secco (SP), Bruno Miller (PR), Rosana Esteves Monteiro Sotto Mayor (MT) e Fábio Barbosa (MT).