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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Ibama se contradiz e pede agora 10% dos novos analistas solicitados em 2020

Funcionários do Ibama tentam controlar incêndio na reserva indígena Tenharim/Marmelos no Amazonas - Bruno Kelly/Reuters
Funcionários do Ibama tentam controlar incêndio na reserva indígena Tenharim/Marmelos no Amazonas Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Colunista do UOL

07/07/2021 04h01

No espaço de um ano, o Ibama fez duas solicitações ao MMA (Ministério do Meio Ambiente) para abertura de concurso público a fim de ajudar a reduzir a defasagem de servidores no órgão. O pedido apresentado em junho último, contudo, representou apenas 10,7% dos cargos de analista ambiental contidos na proposta formulada pelo próprio órgão do ano passado.

Em maio de 2020, o Ibama pediu 970 novos analistas ambientais. Em 2021, o número solicitado caiu para 104. Nenhum dos dois pedidos foi atendido até o momento.

O analista ambiental, cujo pré-requisito é ter curso superior, desempenha múltiplas tarefas essenciais no órgão, como regulação, controle, fiscalização, licenciamento e auditoria ambiental, entre outras.

A força de trabalho do Ibama, porém, vem sendo reduzida ano a ano. Uma nota técnica do órgão de maio passado, à qual a coluna teve acesso, mostra que há 1.007 cargos vagos de analista ambiental.

De acordo com a nota, se nada for feito o Ibama trabalhará em 2022 "com menos de 50% de sua necessária lotação (4.910 [servidores] contra 2.169 - estimado)".

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Mourão reconheceu defasagem de servidores do Ibama, mas não tomou nenhuma medida para saná-la
Imagem: ROMERIO CUNHA/VPR

Nenhuma medida para reduzir defasagem

Até o vice-presidente da República Hamilton Mourão reconhece esses números. Em abril passado, falando em um fórum de discussão sobre a sua suposta dificuldade de conter desmatamento na Amazônia na condição de vice-presidente do CNAL (Conselho Nacional da Amazônia Legal), Mourão disse que "tem que abrir um grande concurso público" e que "Ibama e ICMBio atuam com apenas 50% da capacidade".

Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou que fosse aberto um concurso público num prazo de 30 dias, mas nada foi feito.

A coluna indagou tanto ao Ibama quanto ao MMA (Ministério do Meio Ambiente) na tarde desta terça-feira (6) as razões da divergência de números solicitados em 2020 e 2021, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.

De acordo com documentos obtidos pela coluna, em maio de 2020 o então presidente do Ibama - atualmente afastado do cargo por decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre Moraes -, Eduardo Bim, pediu ao então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que realizasse gestões junto ao Ministério da Economia a fim de obter uma autorização para abrir um concurso público que previsse a contratação de 970 analistas ambientais e outros servidores, num total de 2.311 contratações. Os outros cargos eram analista administrativo (335) e técnico administrativo (1.005).

Mais de um ano depois, no último dia 29, o presidente substituto do órgão, Luis Carlos Hiromi Nagao, pediu ao novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, que seja aberto um concurso público - após gestões no Ministério da Economia - a fim de prover 655 vagas, das quais 104 de analistas ambientais, além de 43 analistas administrativos e 508 técnicos ambientais.

Os números do atual pedido mostram que o governo pretende estimular cargos de nível médio em detrimento de cargos mais valorizados. O salário máximo, após 13 anos de serviço público, de um técnico ambiental gira em torno dos R$ 6 mil, segundo associação dos servidores do Ibama. No caso dos analistas ambientais, o valor gira em torno dos R$ 12 mil após o mesmo tempo de serviço.

Considerando todos os cargos, o pedido feito em junho passado de novo concurso representa 28% de todas as vagas solicitadas em 2020.

Se os ministérios do Meio Ambiente e da Economia acolherem o pedido de 2021, as contratações resultantes de um novo concurso público gerarão um impacto orçamentário total de R$ 26,3 milhões em 2022 e R$ 59,8 milhões em 2023. Pela proposta de Eduardo Bim em 2020, o impacto seria de R$ 66,6 milhões em 2021 e R$ 135,9 milhões em 2022.

Concurso previsto seria "bastante insuficiente", diz associação de servidores

A proposta agora apresentada pelo Ibama ao MMA está muito abaixo das necessidades reais do órgão. Uma nota técnica do Ibama apontou que há 1.007 cargos vagos de analista ambiental. Assim, a solicitação do Ibama em 2021, de 104 novos analistas, representa 10,7% dos cargos vagos.

"Em virtude das vacâncias e aposentadorias ocorridas ao longo do tempo chegamos ao total de 2.928 (dois mil, novecentos e vinte e um) cargos vagos existentes no Instituto, sendo: 1.007 de analista ambiental, 345 de analista administrativo, 1.050 de técnico administrativo e, incluídas aqui, 526 vagas de analista administrativo", diz a nota técnica assinada pela coordenadora de Gestão de Carreira e Desempenho de Pessoal do Ibama, em Brasília.

"Com base nos dados apresentados, a realização do concurso público justifica-se pela necessidade do Ibama de reforçar o contingente de servidores na qualidade dos trabalhos e diminuição de tempo de resposta dos serviços prestados ao cidadão e à sociedade, em áreas que são a prioridade do governo", diz a nota técnica.

Denis Rivas, presidente da Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), disse que o acréscimo da força de trabalho prevista no pedido de concurso público em 2021 é ainda "bastante insuficiente e não chega nem mesmo a repor os cargos vagos".

Segundo Rivas, desde 2013 não há concurso público no Ibama e todo ano um pedido do gênero é feito pela presidência do órgão, mas "geralmente nem passa pelo Ministério da Economia". A defasagem de pessoal se soma a vários fatores, como a militarização do combate ao desmatamento na Amazônia e de cargos-chave na estrutura do Ibama e do ICMBio, para criar um cenário de grave crise nas atividades e na imagem do Ibama.

"As pessoas que estão hoje à frente do Ibama e do ICMBio não estão de fato fazendo os planos necessários para combater o desmatamento. O orçamento é o menor em 20 anos. Fora o discurso político de Bolsonaro, que legitima o crime ambiental. A troca de ministro [do Meio Ambiente] não veio acompanhada de trocas de cargos no segundo escalão. Mudou o ministro mas não mudou nada de fato", disse Rivas.