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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Indicado à Petrobras, Pires não revela empresas clientes de sua consultoria

Adriano Pires, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para assumir o comando da Petrobras - Pedro França/Agência Senado
Adriano Pires, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para assumir o comando da Petrobras Imagem: Pedro França/Agência Senado

Colunista do UOL

30/03/2022 04h00

Indicado por Jair Bolsonaro para o cargo de presidente da Petrobras, o economista Adriano José Pires Gonçalves, 65, fundou e dirige uma empresa de consultoria, o CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), que há mais de 20 anos trabalha ou trabalhou para as principais multinacionais de petróleo, gás e energia. Contudo, a lista dos seus clientes não é informada em nenhum endereço público e, quando foram indagados sobre isso, o CBIE e Pires se recusaram a fornecê-la.

Procurado pela coluna na noite desta segunda-feira (28) com uma série de perguntas sobre os clientes da sua consultoria, o CBIE informou, por email nesta terça-feira (29): "Infelizmente não podemos atendê-lo, pois o prof. Adriano Pires está em período de silêncio".

Em 2019, Pires teve a oportunidade de esclarecer esse ponto, mas estrategicamente renunciou a uma cadeira de conselheiro de um órgão vinculado ao governo Bolsonaro assim que o tema dos seus clientes foi alvo de questionamento.

TCU indagou Pires sobre eventual conflito de interesses

No apagar das luzes do governo de Michel Temer, em dezembro de 2018, Pires foi nomeado, como representante da "sociedade civil", no cargo de conselheiro no CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Também foram nomeados na mesma época Carlos Otávio de Vasconcellos Quintella e Plínio Mário Nastari. Trata-se de uma atividade não remunerada.

Depois que os nomes foram divulgados na imprensa como novos membros do CNPE, o Ministério Público de Contas junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) representou pela abertura de um procedimento "em função de conflito de interesses entre as atividades privadas exercidas por esses representantes e as atribuições conferidas aos integrantes de tal Conselho".

A ministra-relatora do processo no TCU, Ana Arraes, acolheu a representação, mas, ao contrário do que pretendia o MP, não concedeu uma medida cautelar a fim de suspender a participação do trio em reuniões do Conselho.

Arraes "buscou esclarecimentos quanto à violação das disposições dos artigos 2º, inciso II, e parágrafo único, incisos II, III e IV, 5° e 10 da Lei 12.813/2013 e dos princípios da eficiência, moralidade e impessoalidade em virtude dos indicativos de que os conselheiros representantes da sociedade civil e da academia atuam no setor privado, em empresas de consultorias prestadoras de serviços para companhias do setor de energia, havendo risco de conflito de interesses", como diz o acórdão do tribunal.

O TCU intimou os três novos conselheiros porque buscava "informações sobre eventuais atividades privadas que possam configurar conflito de interesse".

Em resposta, Plínio Nastari disse ao tribunal não existir nenhum conflito nas suas atividades e que sempre colaborou com o governo em discussões técnicas. A área técnica do TCU opinou que "a ausência de mecanismos de resguardo de informações sensíveis de cunho nacional pode, sim, possibilitar o uso de tais informações em benefício de interesses particulares, em detrimento do interesse público". Porém, no caso concreto, disse que "não se vislumbrou atuação do sr. Nastari em evidente conflito de interesses, apesar de suas atividades privadas".

Pires deixou conselho 'de forma preventiva'

A exemplo de Nastari, Carlos Quintella disse não haver conflito de interesses, mencionou que era sócio de duas empresas, uma no ramo de informática e outra no de ensino, e que seu vínculo com uma empresa que atuaria no ramo petrolífero não existia havia mais de dez anos. A área técnica do TCU também concluiu que, sobre Quintella, "não se vislumbra conflito de interesse quanto à sua participação no CNPE".

No caso de Adriano Pires, contudo, a apuração ficou pela metade. Ele foi nomeado em dezembro de 2018. Em abril de 2019, foi procurado pelo TCU para dar explicações. Explicou então que, "ao tomar conhecimento da presente representação optou, 'de forma preventiva, por pedir a sua dispensa da função de membro do CNPE', em 26 de fevereiro de 2019'". Pires pediu o arquivamento da representação "no que se refere à sua pessoa".

O setor técnico do TCU reconheceu que Rodrigues "não desempenhou atividade alguma no âmbito do CNPE". Como consequência da renúncia, "não se aprofundaram quaisquer exames acerca de sua competência e/ou de conflito de interesses em sua participação no âmbito do CNPE".

No decorrer da apuração do TCU, o CNPE "realmente implementou os mecanismos indicados em suas contribuições para mitigar o risco de ocorrência de conflito de interesses", observou o TCU. O processo foi arquivado em plenário em março de 2020 - ao longo de toda a tramitação, Pires não revelou sua carteira de clientes.

O site Epbr divulgou, em fevereiro de 2019, que na época Pires enviou uma carta ao ministro de Minas e Energia na qual afirmou que seu pedido de desligamento ocorreu por razão de "ordem estritamente pessoal" e que aceitou o convite "pensando que seria uma oportunidade de ajudar o setor de energia e o país".

Site de Pires menciona multinacionais do petróleo

Embora Pires não forneça a listagem das empresas para as quais trabalha, o economista é conhecido por atuar para algumas das principais empresas de energia do mundo. No site do CBIE na internet também não há lista de clientes, mas sim uma enigmática afirmação: entidades e empresas "que confiam no CBIE". Entre as logomarcas, estão as das norte-americanas Chevron e Exxon Mobil, da britânica Shell e da própria Petrobras.

A consultoria também menciona poderosos grupos de pressão representativos de demandas empresariais no país, como a Única (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), a principal entidade dos produtores de açúcar, etanol (álcool combustível) e bioeletricidade da região centro-sul do Brasil, principalmente de São Paulo, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Fierj (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), bancos privados e empreiteiras como a Odebrecht e a Braskem.

O CBIE também menciona o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), que é a principal entidade representativa das principais empresas do setor dentro e fora do país.

A coluna também perguntou ao CBIE se "confiar no CBIE" significa fazer ou ter feito algum tipo de trabalho para essas empresas e entidades, mas igualmente não houve resposta.

Audiências no governo sobre "térmicas" e projeto de lei do gás

O CBIE anuncia em seu site que "oferece oferece consultoria setorial no âmbito regulatório, comercial, técnico, operacional e econômico-financeiro". Há um segundo braço na empresa, a "CBIE Advisory", que "conta com um time especializado para prover consultorias típicas de boutique de investimentos, como assessoria estratégia para M&A, governança e comunicação corporativa, projeções de oferta e demanda e educação corporativa com conteúdo exclusivo".

A firma oferece quatro tipos de consultoria. A primeira, "setorial", trabalha na "elaboração de estudos técnicos para os setores elétrico, óleo & gás, saneamento, combustíveis & biocombustíveis e açúcar e álcool. Incluem assessoria regulatória, revisão de mercado, planejamento em âmbito integrado da cadeia energética, projeções de oferta e demanda (com granularidade por fonte), análise de impactos de evolução tecnológica nos setores e suporte para discussões setoriais com estratégias por natureza de stakeholder".

Em função da ampla gama de atividades do CBIE, Adriano Pires mantém uma intensa agenda de compromissos em Brasília. Conforme o The Intercept Brasil revelou em dezembro de 2021, Pires se reuniu pelo menos 11 vezes com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de 2019 a 2021.

A coluna localizou mais três audiências de Pires na Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia desde 2019. O tema divulgado sobre as agendas é genérico. É possível saber apenas que, em duas delas, o assunto tratado foi "térmicas a gás com Adriano Pires". Outra tratou do "PL [Projeto de Lei] do Gás com Adriano Pires".

Consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados, ex-engenheiro da Petrobras e Ph.D. na área de petróleo pela Universidade de Cranfield, na Inglaterra, Paulo César Ribeiro Lima disse que a empresa de Pires é muito conhecida por prestar consultoria "a todas as principais empresas da área de energia, petróleo, biocombustíveis, gás".

"Ela [consultoria] tem uma grande carteira de clientes. E está sempre em toda a grande mídia brasileira. Tem muita atuação no Congresso. Mas quero dizer que até não é dos piores [no tema da transparência], ele joga aberto. Tem uma atuação muito aberta e conhecida. E tem formação acadêmica e de fato conhece o setor", disse Lima, para quem Pires terá como tarefa fundamental na Petrobras "reduzir o preço dos combustíveis na bomba".

Para o especialista, Pires não terá tempo nem oportunidade para aprofundar a política de privatização da Petrobras, que vem sendo implementada há vários anos, pedaço por pedaço, com vendas de mais de R$ 230 bilhões em ativos, "todas sem licitação". "Se Bolsonaro se reeleger, aí sim, vamos nos preocupar. Mas ele está indo lá para reduzir o preço na bomba, é um objetivo eleitoral."