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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bia Kicis sabe como fazer uma panela de pressão explodir

Colunista do UOL

29/03/2021 12h31

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Ou a deputada Bia Kicis (PSL-DF) padece de grave déficit de capacidade cognitiva ou nasceu desprovida de senso de responsabilidade.

Na madrugada de hoje, a parlamentar aliada do presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter uma mensagem sobre a morte do policial militar da Bahia Wesley Soares. O PM foi morto no domingo por atiradores do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) depois de, num aparente surto psicótico, atirar para o alto e contra os colegas. Escreveu Kicis:

"Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal!".

No domingo, Wesley Soares, armado com um fuzil e com o rosto pintado de verde e amarelo, pegou seu carro para ir do interior da Bahia ao Farol da Barra, em Salvador. Lá, passou a gritar e atirar para o alto, até que, ao desferir um tiro contra integrantes do Bope que o cercavam, foi por eles morto.

Das poucas falas inteligíveis que pronunciou durante o cerco ("Venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia" e "Não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade e a honra do trabalhador") nenhuma autoriza a parlamentar a afirmar que o PM morreu "porque se recusou a prender trabalhadores" ou por ter se negado a cumprir "ordens ilegais" do governador da Bahia, o petista Rui Costa.

Tampouco há qualquer indício, fato ou episódio que justifique o título de "herói" dado pela deputada ao soldado morto — muito mais provavelmente um homem vitimado por um surto psíquico, conforme mostram as imagens de vídeo disponíveis e os relatos de quem presenciou os seus últimos momentos ("Ele não falava coisas com sentido e estava bem transtornado", afirmou o major Cledson Conceição, comandante do Bope).

Imediatamente depois da publicação de Bia Kicis no Twitter, bolsonaristas de cepas diversas — deputados cujos nomes começam com "capitão" ou "major"; inocentes úteis e blogueiros pagos; além de um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro— passaram a ecoar as suas afirmações, notadamente as últimas duas: "Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal!".

Ao disseminar informações falsas conclamando motins de forma explícita, a deputada Bia Kicis dá a deixa para incendiários do mundo real e virtual tocarem fogo num caldeirão já quente - grupos bolsonaristas de Whatsapp organizam marchas para a capital federal no dia 31 de março, data que tradicionalmente alvoroça as vivandeiras loucas para "provocar extravagâncias do poder militar". Mais que isso, ao lançar policiais contra governadores adversários de Jair Bolsonaro, a deputada, indicada para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ajuda a justificar eventuais "ações duras" da parte de Bolsonaro, mencionadas pelo presidente na semana passada como alternativa para garantir que o "seu povo" tenha "direito de continuar trabalhando".

Horas depois de semear suas fake news, a deputada Bia Kicis apagou o texto. Alegou para isso o fato óbvio e, para ela só então constatado, de que é preciso "aguardar as investigações" da ação e da morte do soldado Wesley Soares.

Bia Kicis só apagou o post porque sabe que ele já se prestou ao seu propósito: mentiras ganham vida própria com rapidez e a que ela cuidou de espalhar já galopa sozinha.

Bia Kicis não é burra nem irresponsável. Bia Kicis é esperta, e só age de acordo com seu padrinho.