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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Blogueiro Allan dos Santos gritou 'fogo' no teatro lotado 

O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos: denunciado pelo MP - Reprodução de vídeo
O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos: denunciado pelo MP Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

18/08/2021 12h43

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"A liberdade de expressão não permite que alguém grite 'fogo' num teatro lotado". O raciocínio celebrizado por Oliver Wendell Holmes, um dos mais famosos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, está na base da denúncia formulada pelo Ministério Público Federal contra o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.

O blogueiro é acusado de ameaça e incitação ao crime por declarações dirigidas em vídeo ao ministro do STF e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. No vídeo, Santos dispara impropérios contra Barroso e o desafia a "ver o que a gente faz com você".

Jornalistas e parlamentares — para ficar em só duas categorias comumente expostas aos detritos verbais que circulam na internet— já ouviram coisa bem pior que isso. Com o detalhe, no caso de deputados e senadores, de que estes são representantes de um poder, assim como Barroso. Mas nem todo jornalista ou parlamentar ameaçado ou ofendido nas redes decidiu requerer providências ao Ministério Público, como fez Barroso. Podiam tê-lo feito, já que ameaçar a integridade física de alguém é crime tipificado no Código Penal — isso é claro como a luz do sol.

O que não é tão claro —e desafia a competência de juízes e tribunais— é diferenciar o que é pura bazófia do que pode significar um perigo real de violência contra alguém ou contra a sociedade.

Era precisamente esse o dilema por trás do histórico caso Brandenburg.

Em 1964, Clarence Brandenburg, dono de uma oficina de consertos de televisão e líder da seita terrorista Ku Klux Klan no estado de Ohio, disse numa entrevista a TV que, se os políticos continuassem a "reprimir" os brancos, "possivelmente alguma vingança pode ser planejada". Brandenburg foi declarado culpado por violar as leis de Ohio, que proíbem a defesa de métodos terroristas para obter mudanças de ordem política.

Cinco anos depois, porém, a Suprema Corte americana anulou a condenação do líder da KKK alegando que a lei de Ohio afrontava o direito de liberdade de expressão sustentado na Primeira Emenda da Constituição.

Para a Suprema Corte americana, mesmo que Brandenburg tenha defendido o uso da força ou a violação da lei, sua fala não necessariamente teve a intenção de incitar a violência e, provavelmente, não seria capaz de deflagrá-la.

Em suma, a Suprema Corte decretou que, para merecer uma condenação, a violência propagada deve ser intencional, provável e iminente. E naquele caso não era.

No episódio envolvendo o blogueiro Santos, a interpretação do MPF foi diferente. Para os procuradores, a fala de Santos não apenas propagou a violência como poderia ocasioná-la. A frequência dos ataques perpetrados pelo blogueiro contra o STF e seus ministros, bem como a sua capacidade de influenciar as redes também pesaram na decisão.

O professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense Cássio Casagrande considera a decisão adequada. "Mesmo a tolerância ao discurso político pode ser contida quando há uma probabilidade de que ela leve à violência", afirma.

Dessa forma, o bolsonarismo encerra a semana com seu terceiro mártir no mês. O ex-deputado Roberto Jefferson foi preso preventivamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes na sexta-feira por "tentativa de desestabilizar as instituições" e o compositor sertanejo Sérgio Reis, que defendeu a "tomada" do STF por caminhoneiros, corre o risco de em breve seguir o mesmo caminho.

O teatro está lotado e plateia está com os nervos à flor da pele. Quem gritar fogo agora terá de arcar com as consequências.