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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

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Porta dos Fundos: Bolsonaro, senador vitalício! Na Itália é diferente

Bolsonaro e o presidente italiano Sergio Mattarella - Quirinale Press Office / AFP
Bolsonaro e o presidente italiano Sergio Mattarella Imagem: Quirinale Press Office / AFP

Colunista do UOL

01/11/2021 15h44Atualizada em 03/11/2021 15h05

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O saudoso jurista e filósofo Norberto Bobbio não precisou de votos para se tornar senador vitalício italiano. Nem Arturo Toscanini, o mais aclamado dos maestros dos séculos 19 e 20.

Eleitos para receber, respectivamente, o Nobel de Física (1984) e o de Medicina (1986), Carlo Rubbia e Rita Levi-Montalcini chegaram ao Senado italiano sem necessidade do sufrágio universal.

A última senadora vitalícia nomeada e em atuação é Liliana Sagre, sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau e da Shoah judaíca. Sagre é uma ativista social e atua marcantemente em defesa dos excluídos, com especial atenção aos últimos da sociedade.

O sistema italiano de escolha de senadores, além do voto direito e mandato por prazo certo, contempla dois outros canais, estes com mandatos vitalícios: (1) italianos, por escolha do presidente da República , que tenham ilustrado a pátria por altíssimos méritos no campo social, científico, artístico e literário; (2) ex-presidente da República e por via automática.

Atenção: são apenas cinco as cadeiras vitalícias por mérito. Aberta a vaga, caberá a indicação.

Duas justificativas foram apresentadas e aprovadas pela Assembleia Constituinte italiana: competência a qualificar os debates do Senado, haver vozes independentes das emitidas pelos partidos políticos e presença de algo diverso na política, que trocava a monarquia pela república.

O sistema — àquele por mérito e o automático a ex-presidentes — está previsto na ainda vigente Constituição republicana italiana, vigorante desde 1º de janeiro de 1948.

No Brasil, tivemos os senadores biônicos inventados na ditadura militar, escolhidos por ilegítimos colégios eleitorais. A meta era garantir maioria ao governo de exceção.

Os primeiros senadores biônicos foram eleitos em 1978 e esta excrescência eleitoral acabou apenas no final de 1980. Biônicos também foram governadores e prefeitos.

No governo FHC duas ocorrências eleitorais são conhecidas, com sucesso apenas daquela a permitir a reeleição.

Não vingou durante o governo de FHC a jogada parlamentar de se tentar emenda constitucional a criar, automaticamente, o cargo de senador vitalício a ex-presidentes.

O tema senador vitalício reapareceu na semana passada e por cogitação do chamado Centrão. Na "cara-dura", algo "ad personan", ou seja, feito para pessoa certa, determinada. No caso, para o presidente Bolsonaro e a fim de lhe garantir, em caso de derrota eleitoral, um cargo prestigioso, foro privilegiado e uma tribuna para os discursos antidemocráticos, reacionários.

Como se nota, nada pensado para o bem do país. Na verdade, uma impostura engendrada pelo Centrão. E esse tipo de "mágica" por emenda constitucional não seria retroativa, ou melhor, não contemplaria os presidentes anteriores a Bolsonaro.

Uma desejada proposta de Emenda Constitucional com inspiração no implantado pelo sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet.

O balão de ensaio dessa farsa apareceu em momento que o presidente Bolsonaro sai responsabilizado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). E a CPI recolheu provas irrespondíveis de consumações de crimes comuns e de responsabilidade por parte de Bolsonaro.

A própria CPI está transmitindo, ao Ministério Público Internacional ao Tribunal Penal Internacional, notícias de crimes perpetrados por Bolsonaro contra a humanidade. Condutas desumanas contra a população civil (o povo ou parte dele) em face da pandemia que levou, por aqui, mais de 600 mil vidas.

Pano rápido. Os aprendizes de feiticeiro do Centrão não perceberam que mudança resultante na criação de cargo de senador vitalício a ex-presidentes, por inovar e desiquilibrar o sistema de representação popular, só pode se dar por uma nova Constituição. Algo considerado inconstitucional, por juristas e operadores do Direito, quando cogitado ao tempo de FHC.