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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Sonia Guajajara, vice de Boulos, usa nome indígena com amparo da lei

Informações sobre Sonia Guajajara no site do TSE - Arte/UOL
Informações sobre Sonia Guajajara no site do TSE Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

16/08/2018 14h30

Publicações nas redes sociais acusam a candidata a vice-presidente pelo PSOL, Sonia Guajajara, de mentir "até no nome”. Para justificar a acusação, as postagens incluem uma captura de tela do site do TSE com as informações registradas pela candidata, suprimindo a parte em que Sonia se declara indígena.

A iniciativa de Sonia é legítima e aceita pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Qualquer pessoa pode se declarar indígena. Apesar de ser registrada como Sonia Bone de Souza Silva Santos, ela adota o nome de sua tribo, Guajajara, como identidade pública, inclusive na candidatura registrada no tribunal, o que é permitido por lei. De acordo com resolução do TSE, o nome utilizado na urna eletrônica pode ser um apelido ou o nome pelo qual o candidato é mais conhecido.

Sonia é da etnia Guajajara/Tentehar, que habita a Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. “Filha de pais analfabetos, deixou suas origens pela primeira vez aos 15 anos, quando recebeu ajuda da Funai para cursar o ensino médio em Minas Gerais. Depois, voltou para o Maranhão, onde se formou em letras e enfermagem e fez pós-graduação em Educação Especial”, diz trecho da biografia da candidata extraído do site do seu partido.

No Brasil, o processo de colonização exterminou e aculturou indígenas, fazendo com que muitos passassem a usar nomes de origem não indígena. Quando Sonia nasceu, em março de 1974, o Estatuto do Índio e a Lei de Registros estavam em vigor havia poucos meses -- ambas as legislações são de dezembro de 1973. Elas previam normas para os registros de índios, mas somente para os não integrados à “comunhão nacional”, ou seja, aos que viviam isolados.

O Estatuto determinou que os nascimentos fossem “registrados de acordo com a legislação comum, atendidas as peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e filiação”.

A Lei de Registros dizia, porém, que índios não integrados à sociedade não eram obrigados a registrar o nascimento em cartório, o que poderia ser feito em livro do órgão federal de assistência aos índios.

Os indígenas deixaram de estar sob a tutela do Estado em 1988, com a Constituição. Passou a prevalecer a autodeterminação dos povos e a autodeclaração por parte de indivíduos e grupos.

Porém, a questão do registro não se resolvia na prática. Por este motivo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiram adotar, em 2012, uma resolução conjunta “considerando a necessidade de se regulamentar em âmbito nacional o assento de nascimento de indígenas nos Serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais”.

Os conselhos estabeleceram que “no assento de nascimento do indígena, integrado ou não, deve ser lançado, a pedido do apresentante, o nome indígena do registrando, de sua livre escolha” e que "a etnia do registrando pode ser lançada como sobrenome, a pedido do interessado”.

Somente em agosto de 2013 a Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão determinou que a legislação sobre registro civil de indígena, que consta na resolução acima, fosse cumprida. Mesmo assim, os indígenas ainda enfrentam dificuldades. Em outubro do ano passado, por exemplo, foi necessária uma ação judicial para obrigar um cartório a registrar recém-nascidos do povo indígena Gamela com o sobrenome da etnia no Maranhão.

Após passagem pelo PT, Sonia filiou-se ao PSOL em 2011. Notória porta-voz da causa indígena, foi a responsável por, em 2010, entregar o prêmio Motossera de Ouro à Kátia Abreu, hoje vice do presidenciável Ciro Gomes (PDT), então acusada por ambientalistas de tentar enfraquecer o Código Florestal.

Sonia, que já foi coordenadora Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e hoje é coordenadora da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), tem o direito de pedir a retificação de seu nome e acrescentar Guajajara oficialmente em seus documentos.

“Para Sonia Guajajara, seu documento não afeta em nada sua origem, e soa absurdo e racista que seu nome público e notório seja objeto de discussão. Demandar práticas a povos que historicamente sofreram processos de imposições que inclusive os levaram a ter que assimilar nomes de batismo faz parte da cultura da violência que os indígenas enfrentam cotidianamente no Brasil”, disse a assessoria de Sonia ao projeto Comprova.

As publicações enganosas sobre a candidata a vice na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) foram verificadas pelo UOL e outros integrantes do projeto Comprova: “Folha de S.Paulo”, “Rádio BandNews FM”, “Jornal do Commercio”, "Poder360", "Revista piauí" e "Gazeta Online".

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.