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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Ranking usado por Bolsonaro não representa realidade da imunização no país

Imagem ilustrativa de vacina contra a covid-19 - Nataliya Vaitkevich/ Pexels
Imagem ilustrativa de vacina contra a covid-19 Imagem: Nataliya Vaitkevich/ Pexels

Do UOL, em São Paulo

14/06/2021 17h42

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) distorceu a posição do Brasil no ranking de vacinação mundial ao dizer, em redes sociais, que o país é o 4º que mais imuniza no mundo. O dado utiliza um ranking do painel Our World In Data, da Universidade de Oxford, que apresenta a quantidade total de vacinas aplicadas, mas sem diferenciar primeira e segunda doses ou indicar qual a proporção da população que foi imunizada.

O critério de total de vacinas é problemático porque a maioria das vacinas necessita de duas doses para garantir a imunização. Além disso, o recorte percentual também é necessário, já que a maioria dos modelos epidemiológicos considera a imunidade coletiva após imunização de ao menos 70% da população. O Brasil é o sexto país mais populoso do mundo e apenas números brutos não indicam o alcance que a vacinação representa no território.

Quando se trata da população vacinada em termos percentuais, o mesmo painel apontava, na sexta-feira (11), o Brasil em 77º na aplicação da primeira dose e em 83º na aplicação da segunda. O presidente já utilizou os números absolutos de vacinação em outras ocasiões, conforme checagens feitas pelo Aos Fatos e pelo UOL Confere.

Na mesma postagem, ele afirma corretamente que mais de 105 milhões de doses foram distribuídas a todos os estados brasileiros e que a Fiocruz assinou contrato de transferência tecnológica para a produção completamente nacional da AstraZeneca.

Como verificamos?

O Comprova consultou o painel de vacinação do Ministério da Saúde para conferir a quantidade de doses distribuídas e entregues aos estados e pesquisou informações sobre a transferência tecnológica no site da Fiocruz e em veículos de imprensa.

A verificação também conferiu o painel de vacinação da Our World In Data para confirmar a quantidade total de doses aplicadas nos países e o percentual relativo às aplicações de primeira e segunda doses nos locais. Os números foram comparados com os apresentados pela agência Bloomberg, dos Estados Unidos, e foi organizada uma planilha para calcular a proporção de vacinados por 100 mil habitantes. Os dados de população foram retirados do portal Worldometer.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 11 de junho de 2021.

Verificação

  • Distribuição de vacinas

Segundo o painel de vacinação do Ministério da Saúde, até a tarde de sexta-feira (11) foram distribuídas 109.294.468 doses às unidades federativas, das quais 102.698.464 foram efetivamente entregues aos municípios. No entanto, foram aplicadas 75.890.097 doses (sendo 52.429.219 relativas à primeira dose e 23.460.878 à segunda dose).

No Programa Nacional de Imunização (PNI), o governo federal encaminha as doses aos estados, que cuidam da distribuição às cidades. Cabe aos municípios gerenciar a aplicação das doses na população.

  • O Brasil no ranking de vacinação

O painel Our World In Data, abastecido pela Universidade de Oxford, da Inglaterra, aponta o Brasil como o 4º lugar no ranking de total de vacinas aplicadas, sem diferenciar primeira e segunda doses (75,8 milhões de doses). O país está atrás de China (845,3 milhões), EUA (305,6 milhões) e Índia (240,2 milhões) e à frente de Reino Unido (69,7 milhões), Alemanha (59 milhões) e França (42,5 milhões).

O cálculo não considera o tamanho das populações. Com mais de 212 milhões de habitantes, o Brasil é o sexto país mais populoso do mundo; à frente estão China (1,4 bilhão), Índia (1,3 bilhão), Estados Unidos (331 milhões), Indonésia (273,5 milhões) e Paquistão (220,8 milhões).

Se observado o ranking que mostra a proporção da população que foi vacinada com pelo menos uma dose, contudo, o Brasil aparece apenas em 77º lugar, com 24,7%. Já no ranking que mostra o percentual da população que recebeu a segunda dose, o Brasil é o 83º, com 11%. As duas listas incluem países e territórios, mas não contemplam dados da China, que não divulga a diferença de aplicações entre primeira e segunda doses.

Os cálculos da proporção de doses aplicadas a cada 100 mil habitantes (sem diferenciar primeira e segunda doses) mostram o Brasil em 9º (com média de 35 mil) num levantamento feito entre os 30 países mais populosos do mundo, atrás de nações como Reino Unido (102 mil), EUA (92 mil), Alemanha (70 mil) e Espanha (67 mil).

Em relação às primeiras doses aplicadas a cada 100 mil habitantes, o Brasil fica em 8º (24 mil) e, nas segundas doses, 9º (11 mil).

No ranking da Bloomberg, agência de notícias dos Estados Unidos, o Brasil também aparece em 4º no total de doses aplicadas (sem diferenciar primeira e segunda doses), e em termos de proporção da população, é o 70º tanto na quantidade de primeiras doses aplicadas quanto em segundas doses. A Bloomberg apresenta uma quantidade mais enxuta de territórios em relação à Our World In Data e é atualizada em horários distintos, o que explica a ligeira diferença de cálculos das vacinas aplicadas nos países. A quantidade numérica de primeiras e segundas doses não consta no painel da agência.

  • Situação do Brasil

O Brasil depende de outros países para seguir adiante com a vacinação, já que importa as doses de laboratórios estrangeiros. Isso também ocorre nas produções nacionais, como a AstraZeneca e a CoronaVac, produzidas respectivamente pela Fiocruz e pelo Butantan, mas que necessitam de insumos vindos do exterior.

Embora a Fiocruz tenha assinado contrato de transferência tecnológica para produzir o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) no Brasil, o procedimento ainda demora alguns meses e as primeiras doses feitas 100% no país são previstas apenas para outubro.

A dependência de outros países já levou a atrasos na entrega de doses por diversas vezes. Em anúncio feito no dia 2 de junho, o governo reduziu em 3,9 milhões a previsão de vacinas a serem entregues no mês. Um levantamento feito pelo jornal O Globo aponta que do total anunciado pelo Ministério da Saúde em fevereiro deste ano foram entregues apenas 60% das doses.

As falas de Bolsonaro a respeito da vacinação omitem os atrasos nas entregas e outras dificuldades enfrentadas pelo Brasil, como no caso da Janssen, vacina da Johnson e Johnson, cujo carregamento é previsto para chegar ao país restando apenas 12 dias para o prazo de validade.

Vice-presidente da CPI da Pandemia no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) divulgou que o governo federal ignorou 81 tentativas da Pfizer de negociar vacinas contra a covid-19. Além disso, o país ficou de fora da primeira reunião da Covax Facility, consórcio de distribuição de imunizantes organizado pela OMS, e mesmo com a adesão tardia optou pela cobertura mínima de vacinas ofertadas.

Por que investigamos?

Não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro menciona a quantidade total de vacinas aplicadas sem um recorte da proporção da população que realmente foi vacinada. Ele menciona os dados desde janeiro deste ano e já os citou em lives semanais de maio e junho, conforme checagens do UOL Confere. O conteúdo também já foi desmentido pela agência Aos Fatos.

Até a tarde de sexta-feira (11), a mensagem publicada pelo presidente no Twitter já contava com mais de 8,6 mil interações e, no Facebook, 117 mil. O contexto epidemiológico do país justifica que a situação vacinal seja devidamente explicada, já que mais de 4 milhões de brasileiros não retornaram aos postos de saúde para tomar a segunda dose da vacina e há registros de atrasos e lentidão nas filas.

O Comprova já desmentiu que o Brasil vacinou 11% da população antes da Alemanha, que Bolsonaro recusou ofertas anteriores da Pfizer por questões estratégicas e que o governador de São Paulo João Doria (PSDB) e o filho do ex-presidente Lula seriam sócios na produção da CoronaVac visando as eleições de 2022.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Este conteúdo foi investigado pelo UOL e verificado por Correio de Carajás, Folha, Jornal Correio, A Gazeta, O Estado de S. Paulo e BandNewsFM. A checagem foi publicada pelo projeto Comprova no dia 14 de junho de 2021.

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.