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Haddad promete revogar reforma do ensino médio

Leda Antunes

19/09/2018 04h00Atualizada em 19/09/2018 19h14

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. Nesta semana, serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na pesquisa Datafolha divulgada em 10 de setembro. Saiba mais sobre esta série.

Nesta quarta, será abordada uma proposta de Fernando Haddad (PT): a revogação da reforma do ensino médio aprovada no governo Temer.

O que o candidato prometeu

O programa de governo de Fernando Haddad (PT) traz como uma de suas prioridades a revogação da reforma do ensino médio, aprovada no ano passado, durante o governo de Michel Temer. O documento promete que, se eleito, "o governo Haddad irá elaborar um novo marco legal [para o ensino médio] em diálogo com a comunidade educacional, organizações estudantis e toda sociedade".

Ilustração Haddad -  -

Qual é o contexto

A reforma do ensino médio foi apresentada em 22 de setembro de 2016 pelo presidente Michel Temer, por meio da MP (Medida Provisória) 746. Para não perder a validade, o conjunto de novas regras precisava ser votado em até 120 dias pelo Congresso Nacional, o que foi justificativa para a tramitação acelerada, quase sem debates. Em fevereiro do ano seguinte, a MP foi aprovada no Senado e convertida na Lei 13.415/2017. As bancadas do PT na Câmara e no Senado votaram contra a proposta.

Entre as principais mudanças da nova lei estão o aumento da carga horária mínima anual a fim de ampliar as escolas de tempo integral, a flexibilização do conteúdo que será ensinado aos alunos e o maior peso ao ensino técnico e profissionalizante.

O currículo do novo ensino médio será composto pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O documento ainda está em elaboração, mas a lei já determina como o conteúdo será dividido. Em vez das 13 disciplinas tradicionais, os conteúdos serão distribuídos em quatro áreas:  linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas.

Ao longo dos três anos do ensino médio, 60% da carga horária será definida pela BNCC, enquanto os outros 40% serão flexíveis a partir de cinco itinerários formativos: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. 

A carga horária mínima anual do ensino médio deverá ser ampliada de forma progressiva das atuais 800 horas para 1.400 horas. As escolas terão o prazo máximo de cinco anos para oferecer, pelo menos, mil horas anuais. O objetivo do aumento da carga horária, segundo o Ministério da Educação, é cumprir a meta do PNE (Plano Nacional de Educação), de oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, metade da escolas públicas até 2024, para atender, pelo menos, 25% dos alunos matriculados.

Desde o início, a discussão sobre a reforma do ensino médio foi envolta em polêmicas e protestos. Quando apresentou a MP, o governo de Michel Temer foi criticado por setores da educação por impor as mudanças de forma autoritária e sem a devida discussão com os representantes da sociedade. Agora, as críticas se voltam contra a Base Nacional Comum Curricular, cuja aprovação pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) é determinante para que as mudanças no ensino médio comecem a ser adotadas nas escolas. A previsão do MEC é que a base seja aprovada até o fim deste ano.

Se esse cronograma for cumprido, a reforma deve ser implementada nas escolas a partir de 2020, explica a pesquisadora Mônica Ribeiro da Silva, que coordena o Observatório do Ensino Médio da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que reúne estudantes e educadores em torno do tema. Mesmo com a BNCC aprovada, a implementação não seria imediata, diz ela. Ao longo de 2019, seriam feitas as adaptações nos sistemas de ensino estaduais para que os alunos entrassem no novo formato de ensino médio em 2020. Ou seja, as mudanças só chegariam às escolas no segundo ano de mandato do próximo presidente, o que abre espaço para mudanças, como promete o candidato Fernando Haddad.

Em abril, o MEC apresentou o texto da BNCC do ensino médio ao CNE, que vem realizando audiências públicas para discutir o tema. A lei 13.415 de 2017 determina que a BNCC inclua obrigatoriamente os estudos e práticas de educação física, artes, sociologia e filosofia. Esses conteúdos foram tratados dentro das áreas, e não como disciplinas específicas. Já português e matemática têm suas habilidades tratadas exclusivamente como disciplinas. 

"As audiências públicas foram ocupadas por professores e estudantes que são contrários a uma base que só contempla português e matemática. As demais áreas só têm menções genéricas, que não asseguram a presença desses conteúdos e não orientam em nada o que os estados deverão fazer", critica Mônica.

Em julho, após os protestos, o ministro da Educação, Rossiele Soares da Silva, disse ao jornal Folha de S. Paulo que a pasta faria alterações no texto para dar "mais clareza" à redação de todas as áreas de conhecimento da base. Segundo o MEC, as audiências foram concluídas apenas na semana passada e o ministério está "em constante interlocução com o CNE para realização de ajustes necessários" no texto. Mesmo com a resistência, a pasta mantém a previsão de homologar a BNCC que for aprovada pelo conselho ainda neste ano.

Como o candidato vai cumprir a promessa

A campanha de Haddad afirma que a reforma do ensino médio foi "implementada de forma autoritária, sem diálogo com a comunidade educacional" e que o governo eleito estudará a melhor medida a ser adotada para revogá-la, que poderá ser "por meio de projeto de lei".

O candidato, que foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, promete ainda propor uma nova reformulação do ensino médio. "O marco legal será construído democraticamente, com ampla participação de estudantes, educadores, especialistas, gestores e entidades do campo educacional. Seu processo de construção terá início nos primeiros dias do governo", disse a campanha de Haddad à reportagem.

Se eleito, o candidato também se compromete a promover "fortes ajustes na Base Nacional Comum Curricular, em diálogo com a sociedade".

O que dá pra fazer

Para revogar a reforma do ensino médio, o presidente eleito pode enviar ao Congresso Nacional um novo projeto de lei ou até mesmo uma medida provisória que altere a Lei 13.415/2017. A MP garante uma tramitação mais rápida porque tem que ser votada no prazo de 120 dias.

Um novo projeto de lei precisaria do apoio da maioria simples no Legislativo para ser aprovado. Ou seja, é preciso que 257 deputados estejam no plenário e metade mais um votem a favor. Depois disso, o projeto seguirá para o Senado, onde será necessário que 41 senadores estejam presentes e metade mais um concordem. A medida provisória também exige apoio da maioria simples do Congresso.

No momento, a bancada do PT tem 61 deputados e nove senadores. Nesta eleição, o partido fez coligação com o PCdoB, que hoje tem dez deputados e uma senadora, o que demonstra a dificuldade para conseguir mudanças no Congresso.

O segundo passo seria o Ministério da Educação elaborar um novo texto da Base Nacional Comum Curricular e levá-lo para discussão no Conselho Nacional de Educação, que poderia aprová-lo ou não.

Entre os especialistas, há quem aprove parte das mudanças feitas pelo governo Temer e acredite que não seja necessária uma nova lei para corrigir os erros trazidos pela reforma e, do outro lado, há os que são totalmente contrários às alterações e defendem a revogação completa da lei.

Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, avalia que a reforma acertou ao dar mais flexibilidade ao ensino médio e ao priorizar o ensino profissionalizante. Mas ele reconhece que alguns pontos da legislação não ficaram claros. Para o educador, a lei foi omissa na questão dos itinerários formativos.

"Ficou uma certa confusão de que a reforma ia acabar com as disciplinas. As disciplinas continuam, só que elas são organizadas agora por áreas de conhecimento", afirma. Para ele, ajustes na BNCC e nas Diretrizes Curriculares Nacionais do ensino médio seriam suficientes para esclarecer esses pontos. A revogação da lei, no entanto, seria um "desserviço", afirma.

Isso porque o texto reflete boa parte do projeto de lei 6.840/2013, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que tramitava no Congresso antes da MP 746 ser apresentada. "Poderia fazer uma lei complementar, para fazer os ajustes necessários, mas revogar a lei é um desserviço."

Mônica Ribeiro da Silva, da UFPR, não concorda. Para ela, essas alterações não seriam suficientes. Uma de suas críticas é que a lei divide o currículo do ensino médio em itinerários formativos e desobriga a escola de oferecer todos eles. Na prática, na visão da especialista, isso vai impedir que o aluno de fato escolha as disciplinas que quer estudar. "A divisão nos itinerários está na lei. Isso precisa ser alterado na legislação, não na BNCC", afirma.

Mas um novo governo não pode repetir o feito de propor uma reforma via medida provisória, diz a educadora. "Considero inadequado, um ato autoritário, fazer uma mudança desse porte por medida provisória, sem fazer uma discussão qualificada. Teria que ser sugerido um novo projeto de lei", afirma.

"O avanço da reforma é o de sinalizar para (a adoção do) ensino médio técnico e diversificar as opções dentro do ensino acadêmico. Mas a lei não deixa claro o que isso significa", avalia o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araujo e Oliveira. Ele afirma que o governo eleito terá legitimidade para apresentar um projeto ou medida provisória para alterar a lei, mas pode ter dificuldades para aprovar as mudanças no Congresso. Mas afirma que não seriam necessárias "mudanças enormes na lei para torná-la viável".

Avaliação: Dá pra fazer, mas depende da aprovação do Congresso

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