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Sem água e sem saneamento, comunidades rurais de Pernambuco ganham banheiros secos

Carlos Madeiro <br>Especial para o UOL Notícias <br>Em Caruaru (PE)

02/01/2011 07h01

Soluções para melhorar a qualidade de vida de quem mora no semiárido nordestino sempre foram um desafio para especialistas e autoridades da região. Acostumados com as secas e com a falta de acesso a qualquer rede de saneamento, comunidades rurais em Pernambuco estão sendo as primeiras contempladas com um projeto inédito na região: a instalação de banheiros que não utilizam água e transformam os dejetos em adubo para plantas.

A tecnologia, já difundida em diversos países, chegou ao Nordeste inspirada do modelo de uma entidade de Santa Catarina. A ideia de trazer os banheiros secos às comunidades rurais do semiárido foi do Cedapp (Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor), que instalou as duas primeiras unidades dos banheiros secos em Pesqueira (a 180 km do Recife) no início de 2009.

Passado o período de testes das duas primeiras unidades, outros 93 banheiros já foram instalados até agora, beneficiando hoje 17 comunidades rurais de oito municípios do agreste e do sertão de Pernambuco. Os recursos da primeira etapa do projeto foram repassados pela organização InterAmerican Foundation, dos EUA.

Além de construir a unidade, a família beneficiada ganha também uma cisterna, instalada em cima do banheiro, que garante o armazenamento de água durante os períodos de seca. A meta é erguer outros 32 banheiros em 2011, com apoio financeiro de uma comunidade europeia. “Estamos indo à  Itália nos próximos meses, levando inclusive uma das chefes de família para falar da experiência, para tentarmos arrecadar mais recursos”, disse a coordenadora do projeto, Lourdes Viana.

Segundo o CEDAPP, a construção de cada banheiro – de 1,30m x 1,20m – sai por R$ 1.600, mas o seu custo de manutenção é mínimo. As unidades são dotadas com uma bombona de 50 litros para armazenagem das fezes e um cano (que funciona como um sifão) para tirar o mau cheiro de dentro da minúscula construção. “Nesse banheiro não se dá descarga, mas não se sente cheiro. Ele é perfeito para um local com o clima que temos aqui [no semiárido], sem água. Fizemos a experiencia com dois banheiros - um comunitário e um familiar, que são unidades diferentes. O resultado foi extremamente positivo”, garantiu Lourdes.

Lourdes conta que houve resistência por parte das famílias “cobaias” na fase inicial do projeto. “Nos sítios do interior, ainda se vai ao mato para fazer as necessidades fisiológicas. É uma coisa indigna. E na cultura das pessoas, esse é um banheiro esquisito. Foi um ano de trabalho de convencimento. Mas hoje, o banheiro é disputado pelas famílias, e a satisfação é total”, garantiu.

Tecnologia simples

Segundo a CEDAPP, a tecnologia utiliza serragem que, misturada às fezes, sofrem decomposição de microrganismos. “Este processo se chama compostagem e deve-se usar um 'fermento' vindo de uma compostagem ativa para iniciá-lo. Este processo evita a formação de odores desagradáveis, que também são evitados pela circulação de ar favorecida pela chaminé. [O banheiro] é ecológico por se aproveitar dos ciclos biológicos naturais, não tendo como produto o esgoto e, portanto, não contaminando a água”, diz nota técnica do projeto.

Segundo a coordenadora da projeto, a tecnologia para transformação é simples e qualquer pessoa está apta a utilizar o banheiro. “A pessoa que vai ao banheiro coloca um pouco de pó de serra ou cinza – os dois têm o mesmo feito. As fezes ficam durante seis meses nas bombonas, fechadas. Após o processo, o composição se transforma em uma terra sem odor, que pode ser usada como adubo em qualquer plantação”, garantiu.

Já a urina é aproveitada de forma imediata. “Todo banheiro tem, necessariamente, uma plantação de bananeiras, e a urina é direcionada para lá. Todas as comunidades receberam curso de compostagem e, passado esse primeiro ciclo, as bananeiras já estão dando os primeiros frutos. Tudo funcionou como esperávamos”, garantiu Lourdes, citando que essa reutilização de fezes e urina foi testada e aprovada por uma universidade de Santa Catarina.

Além da “dignidade” e zelo ambiental, Lourdes garante que o resultado da instalação dos banheiros já dá resultados na área de saúde. “Agentes comunitários dessas regiões atendidas já nos procuraram e afirmaram que o nível de doenças intestinais caiu significativamente com a instalação dos banheiros”, afirmou.