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Nordeste é líder em mortes por arma de fogo e sofre com polícia 'deficitária', dizem especialistas

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Especial para o UOL Notícias<br>Em Maceió

06/05/2011 20h04

A região Nordeste é a campeã em mortes por arma de fogo no país, segundo pesquisa da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) divulgada na última quinta-feira (5). Dos cinco Estados com maiores percentuais do país, quatro são do Nordeste: Alagoas, Bahia, Paraíba e Pernambuco.

O Estado com maior número de assassinados por arma de fogo é Alagoas, com índice de 83,3%. A média nacional é de 71,2%. Bahia (81,3%), Paraíba (80,5%) e Pernambuco (78,9%) ocupam a 2ª, 3ª e 5ª posições, respectivamente, do ranking estadual. Para os autores, os dados da região são "alarmantes".

Segundo o levantamento, que tem 2009 como ano-base e leva em conta dados do Ministério da Saúde, o uso crescente de armas de fogo preocupa porque acontece principalmente na região Nordeste. O estudo aponta que é na região "onde os índices de homicídio não pararam de crescer". Em capitais como Salvador e Maceió, cita o levantamento, as armas de fogo chegam a ser usadas em mais de 90% dos homicídios.

Levando em conta os dados do Anuário 2010 do Fórum de Segurança Pública, as armas de fogo foram responsáveis por 12 mil das 14.647 registradas nos nove Estados nordestinos em 2009.

Segundo o levantamento, dos 11 Estados do país em que as taxas cresceram continuamente entre 2000 e 2009, seis são Nordeste. O estudo da CNM aponta que "o destaque maior fica com a região Nordeste, onde vemos que o incremento nos crimes e no uso de armas não estava sendo combatido até 2009".

"Quando se desagregam esses dados por Estado, o cenário é mais alarmante, pois constatou-se que em Estados do Nordeste como Alagoas, Bahia e Paraíba as armas de fogo são utilizadas em mais de 80% dos homicídios cometidos. Em Salvador, capital da Bahia, a situação é mais caótica ainda, onde prevalece o uso de armas em 90% dos crimes que geram mortes. Espera-se que os dados de 2010 e 2011 possam apresentar uma realidade diferente, que apresente um contexto mais contundente dos poderes públicos de combate à mortalidade violenta na região Nordeste do país", informa o estudo.

Especialistas opinam

Para especialistas consultados pelo UOL Notícias, o índice de mortalidade por arma de fogo está relacionado diretamente a fatores como a falta de estrutura policial dos Estados, a pouca fiscalização das divisas e o baixo índice de desenvolvimento social da região -- que facilitariam a recrutação de jovens para o crime.

Paulo Brêda, coordenador da recém-criada comissão especial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que vai analisar a proposta de um novo plebiscito sobre o desarmamento, avalia que o crescimento no número de assassinatos por arma de fogo no Nordeste está diretamente ligado à falta de estrutura policial para combater a migração do crime organizado para os Estados.

“É inegável que os dois principais focos de violência até 10 anos atrás –SP e RJ– fizeram o dever de casa. São Paulo reduziu significativamente a violência, e isso expulsou boa parte do crime organizado. O Rio foi da mesma forma, só que mais recente. Isso transferiu violência para outras regiões, e os Estados do Nordeste não estavam, e a grande maioria não está, preparada para combater esse tipo de crime, a arma veio junto com a criminalidade”, disse Brêda.

Além disso, o coordenador avalia que não há fiscalização ou controle da entrada de armas de fogo nos Estados. “Você transita por dentro do país sem ser revistado. As blitze que são feitas são para ver se não há ilegalidade do veículo. Não me lembro do dia em que tive o carro revistado”, afirmou.  

Procurador da República aposentado, o presidente do Conselho de Segurança Pública de Alagoas, Delson Lyra, afirma que a maioria das armas que circulam no Nordeste foram adquiridas por meio legal e dentro no próprio país.

“São armas compradas no Brasil por pessoas que têm porte e depois, seja por roubo, seja até por repasses da polícia, chegaram ao mercado clandestino”,  disse, exemplificando que as armas importadas, que ingressam pela fronteira brasileira com outros países, fazem parte de uma minoria apreendida pela polícia.

Lyra atribui o fato de o Nordeste liderar o ranking de mortes por arma pela inexistência de ações integradas de combate ao comércio ilegal na região. “O tráfico existe onde a circulação é mais fácil, porque existe falha no monitoramento. A fiscalização nas divisas dos Estados no Nordeste é branda, e as armas terminam entrando no circuito do próprio mercado nordestino”.

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Alagoas, Gilberto Irineu, atribui o ingresso de armas ilegais no Estado às quadrilhas que trazem, além das armas, drogas de outros Estados sem nenhum empecilho. "Eles sabem que a rota não é monitorada e é de fácil infiltração por não haver fiscalização. É assim que o tráfico traz armas ilegais e drogas para nosso Estado”, afirmou .

Procurado pelo UOL Notícias, o pesquisador e autor do estudo Mapa da Violência, Julio Jacobo, disse que preferia não comentar os dados do levantamento, por não ter tido acesso a ele, mas afirmou que a violência armada no Nordeste e no país não é um fenômeno novo. "No Brasil, a arma é muito mais usada como instrumento de violência do que de proteção, como alegam os que são contra o desarmamento. São armas normalmente de baixo calibre", disse.