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Juiz está beneficiando matadores de casal extrativista no Pará, diz CPT

Guilherme Balza

Do UOL Notícias* <BR> Em São Paulo

21/07/2011 17h02

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) criticou, em nota divulgada na última terça-feira (19), o juiz Murilo Lemos Simão, da 4ª Vara Penal da comarca de Marabá, que por duas vezes rejeitou os pedidos de prisão contra os três homens apontados pela Polícia Civil como os responsáveis pelas mortes do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva em 24 de maio.

Quase dois meses após os crimes, que tiveram repercussão internacional, ninguém foi preso. Ontem, a Polícia Civil divulgou o nome dos supostos envolvidos nos crimes. Segundo a polícia, o mandante do assassinato foi José Rodrigues Moreira, 42, e os executores foram Lindonjonson Silva Rocha (irmão de Moreira), 29, e Alberto Lopes do Nascimento, 29, conhecido como “Neguinho”.

Ao longo das investigações a polícia pediu a prisão dos três em duas ocasiões. Na primeira, o pedido rejeitado foi de prisão temporária (detenção por no máximo 60 dias) e teve parecer favorável do Ministério Público (MP). Após juntar novas provas, a polícia pediu a prisão preventiva (por prazo indeterminado) dos três, também com parecer favorável do MP, mas novamente o juiz negou o pedido.

Nos dois casos Simão alegou não haver provas suficientes contra os supostos responsáveis pelos crimes. Um terceiro pedido de prisão ainda está sendo analisado pelo juiz. Já o inquérito policial foi encaminhado à promotoria de Marabá e nos próximos dias será remetido ao juiz.

Segundo a CPT, a rejeição dos pedidos de prisão permitiu que os suspeitos fugissem da região. “Os acusados já fugiram da região e se vislumbra novamente o cenário da impunidade também nesse caso”, afirma a pastoral. O mesmo juiz que rejeitou as prisões decretou sigilo das investigações, mesmo sem solicitação do Ministério Público ou da Polícia Civil, o que é incomum.  

A reportagem entrou em contato com o Fórum de Marabá e foi atendida por um homem que não quis se identificar. Ele afirmou que, como o caso corre em sigilo, o juiz não irá se manifestar, nem atender a imprensa. “A pergunta que fica é: que a investigação da polícia é falha, incompleta, ou o juiz está ignorando as provas apresentadas pela polícia”, disse, por telefone, José Batista, advogado da CPT.

Os principais indícios contra os acusados são testemunhos de pessoas que conversaram com os supostos autores antes e depois do crime, uma máscara de mergulho usada por Lindonjonson e um acidente de moto em que este se envolveu antes do crime. Uma das testemunhas contou ter conversado com os supostos autores dois dias antes do crime, quando eles estiveram no local da morte. Pouco minutos depois do assassinato, a pessoa foi abordada novamente pela dupla, que pediu informação sobre a estrada.

Segundo o delegado Sílvio Maués, diretor de Polícia do Interior, o tempo decorrido entre o crime e o pedido de informação sobre a estrada é muito próximo da simulação feita durante a investigação. Ele também apontou que durante o diálogo, Lindonjonson instruiu a testemunha sobre como obter o seguro DPVAT porque também já havia sofrido um acidente e recebido o valor. A informação estava registrada na Polícia.

Outro elemento que incrimina Lindonjonson é uma máscara de mergulho usada durante o crime. Ela é usada na mineração, atividade explorada pela família do acusado, pois um barco utilizado para esses fins foi encontrado no terreno de José Rodrigues. “Entendemos que esclarecemos o crime. Juntamos elementos que demonstraram a dinâmica do assassinato. Indiciamos os três por homicídio duplo triplamente qualificado por causa do uso de arma de fogo, emboscada e motivo fútil”, disse Maués.

Para o delegado que presidiu o inquérito, Humberto de Melo Junior, da Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá, a máscara, a ocorrência sobre o acidente de moto e o reconhecimento dos retratos falados já são o bastante. O delegado Sílvio Maués disse que se o juiz negar novamente, só cabe ao MPE contestar a decisão no Tribunal de Justiça do Estado.

Disputa por terras

O inquérito concluiu que a disputa por terra foi a causa da morte do casal.  Conforme a investigação policial, Moreira começou a comprar lotes de terra na área de Praialta Piranheira em 2009. Um dos letes estava localizado em assentamento autorizado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), onde o casal vivia.

O órgão federal foi acionado por colonos, mas não tomou providências. Já José Cláudio estimulou os assentados a ocuparem o terreno, mas eles acabaram sendo ameaçados de morte. Segundo a Polícia Civil, a intimidação aos assentados chegou ao ponto de o acusado levar policiais militares até a casa de um colono. Como a intimidação não surtiu efeito, ele avisou que José Cláudio pagaria pelos problemas criados.

O delegado Sílvio Maués disse que, com esse histórico mais os indícios materiais do dia do crime foram descartadas as possibilidades de outro fazendeiro ter encomendado o crime ou do casal ter sido vítima de outros assentados ou, ainda, de vingança por envolvimento no assassinato de um homem identificado como Odilon.

Seis camponeses mortos

Alguns dias após a morte dos extrativistas, o lavrador Eremilton Pereira dos Santos, 25, que morava no mesmo assentamento do casal, foi encontrado morto. No dia 1º de junho, um lavrador de 33 anos foi assassinado em Eldorado dos Carajás.

Inicialmente, a polícia afirmou que não havia relação entre as mortes, mas depois disse que a sequência de assassinatos seria uma estratégia dos responsáveis pelos crimes para atrapalhar a investigação policial.

Para conter a onda de violência, o governo federal decidiu enviar a Força Nacional de Segurança, além do Exército e Polícia Federal, para o sudeste do Pará e para o oeste de Rondônia, onde Adelino Ramos, liderança do Movimento Camponês Corumbiara (MCC), foi assassinado enquanto vendia verduras em Vista Alegre do Abunã, distrito de Porto Velho (RO), em 27 de maio --na época, o principal suspeito pelo crime foi preso.

Na véspera da chegada das tropas, em 9 de junho, o camponês Obede Loyla Souza, 31, foi morto no acampamento Esperança, em Pacajá (PA).

Os responsáveis pelos crimes de Carajás, Pacajá e pela terceira morte em Nova Ipixuna ainda não foram localizados.

*Com reportagem de Sandra Rocha, de Belém